Haja Vista https://hajavista.blogfolha.uol.com.br Histórias de um repórter com baixa visão Tue, 07 Dec 2021 17:23:21 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Quem não oferece acessibilidade deveria dizer que pessoas com deficiência não são bem-vindas, diz jornalista https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/2021/10/19/quem-nao-oferece-acessibilidade-deveria-dizer-que-pessoas-com-deficiencia-nao-sao-bem-vindas-diz-jornalista/ https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/2021/10/19/quem-nao-oferece-acessibilidade-deveria-dizer-que-pessoas-com-deficiencia-nao-sao-bem-vindas-diz-jornalista/#respond Tue, 19 Oct 2021 15:30:10 +0000 https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/PHOTO-2021-10-14-15-27-28-300x215.jpg https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/?p=304 Para a jornalista Cláudia Werneck, que atua há cerca de 30 anos na defesa da inclusão das pessoas com deficiência, a comunicação acessível ainda não é vista como direito fundamental nem sua ausência como fator de exclusão.

Autora de 14 livros sobre inclusão e diversidade, ela fundou em 2002 a ONG Escola de Gente, que atua na criação de soluções de acessibilidade.

Entre os recursos que devem ser usados para que informação, arte e entretenimento possam chegar a todos estão a audiodescrição (descrição de imagens), o uso de formatos digitais para textos, legendagem de vídeos e oferecimento de interpretação em Libras (Língua Brasileira de Sinais), por exemplo.

“Fala-se muito em liberdade de expressão, mas não do direito de comunicação acessível garantido. O que adianta ser livre para falar sem ter um intérprete?”, diz ela, destacando que muitas vezes nem pessoas com deficiência percebem que a comunicação inclusiva deveria ser entendida como direito básico.

Questionada sobre como viabilizar a adoção desses recursos de acessibilidade, levando em conta o custo associado à adoção deles, Werneck diz que, se as empresas quiserem falar que são realmente inclusivas e se importam com diversidade para além do discurso, precisam colocar o tema da acessibilidade em seus orçamentos.

“Se você não quer colocar audiodescrição, deveria escrever no convite: ‘este espetáculo é para todo mundo, menos os cegos'”, afirma.

“Quanto custa discriminar uma pessoa cega? É só fazer um livro sem oferecer ele em formato acessível.  Agora é preciso fazer um orçamento sem discriminação. Onde você coloca o dinheiro indica em que você acredita.”

Werneck cita como exemplo o grupo de teatro Os Inclusos e os Sisos, que nasceu na Escola de Gente em 2003 contando com a filha da jornalista, a atriz Tata Werneck, entre os criadores. Em 2003, quando não havia recursos, a audiodescrição era feita no ouvido do espectador. Depois passou a ser pré-requisito para que o grupo se apresentasse: “Muitas vezes tínhamos 12 recursos de acessibilidade diferentes, alugávamos banheiro químico acessível. Sempre fomos radicais. Isso não é desperdício, é estar preparado para atender as pessoas que existem, sem restringir quem pode vir ou não.”

Outro espaço onde há muita exclusão, e  que ganhou mais importância com a pandemia, é a internet. O problema ocorre tanto pela falta de acessibilidade em sites e aplicativos como também pela dificuldade de acesso à conexão adequada por pessoas com deficiência em situação de vulnerabilidade financeira.

“A comunicação está mais complexa, mais rápida, imagética. O impacto é gigantesco. Todos perdem com as interrupções no fluxo de informações quando ele é interrompido por não chegar a uma pessoa com deficiência”, afirma. “Falta de informação impacta o direito a vida. Sem informações, você não toma decisões.

Notando que praticamente todas as lives realizadas na pandemia não tinham acessibilidade, incluindo transmissões da Organização Mundial de Saúde para tratar da Covid-19, a Escola de Gente lançou em 2020 o projeto Hiperconexão Inclusiva, para criar uma plataforma de lives que permitisse a adoção de audiodescrição e interpretação em Líbras.

 

Em setembro, a organização também relançou o aplicativo VEM CA, que havia entrado no ar pouco antes da pandemia indicando eventos com acessibilidade, e acabou deixando de ser prioridade quando as atividades não puderam mais ser realizadas por causa do distanciamento social. Agora o programa também reúne conteúdos que podem ser acompanhados digitalmente e que oferecem ao menos um recurso para ampliar a inclusão.

A discussão sobre a possibilidade de crianças com deficiência severas estudarem em escolas especializadas, trazida pelo ministro da Educação Milton Ribeiro, também é vista como revés recente para o grupo por Werneck.

Para ela, é preciso que o tema da inclusão nas escolas seja compreendido como um assunto de toda a sociedade, e não só das famílias que possuem crianças com deficiência. Segundo Werneck, da adaptação das escolas para receber todas as crianças que existem virá um desafio e, com ele, a inovação, diz.

Ao argumento do ministro em favor da educação em ambientes separados de que um aluno cego teria dificuldade para entender quando o professor de geografia apontar para um mapa, Werneck contrapõe a experiência de professor que criou maquete com o Sistema Solar para compreensão de alunos com deficiência visual que acabou beneficiando o aprendizado de todos os estudantes, pois outros colegas tinham dificuldade para como se dá a órbita dos planetas em relação ao sol.

Para a jornalista, quando crianças aprendem a incluir desde cedo,  têm uma atitude que privilegia a diversidade durante toda a vida.

“Se você frequenta uma educação inclusiva, em sala que representa a diversidade humana e em que a necessidade de aprendizagem de todos é atendida, você terá uma geração que se exercita democraticamente na diversidade.”

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Limitação visual é o menor dos desafios, diz autora de livro sobre maternidade e deficiência https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/2020/12/27/jornalista-escreve-livro-sobre-sua-experiencia-com-maternidade-e-deficiencia-visual/ https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/2020/12/27/jornalista-escreve-livro-sobre-sua-experiencia-com-maternidade-e-deficiencia-visual/#respond Sun, 27 Dec 2020 19:20:00 +0000 https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/Foto-Mari-300x215.jpg https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/?p=119 Nascida em junho, Natália, filha da jornalista Mariana Baierle, é uma das meninas mais asseadas do mundo.

Com baixa visão e casada com Rafael Martins dos Santos, que também tem deficiência visual, Mariana aprendeu com uma cunhada médica como deixar a nenê sempre limpinha. Como a mãe não pode enxergar onde a filha está sujinha na hora de trocar a fralda, o jeito é considerar que ela precisa sempre de uma limpeza completa.

Mariana gasta mais lenço umedecido do que as outras mães, mas resolve a tarefa com facilidade, conta ela, que teve sua primeira filha durante a pandemia da Covid-19.

A história de Natália até seus primeiros meses será contada no livro “Maternidade e Deficiência Visual — Do Sonho ao Nascimento de Natália”, que a jornalista está divulgando a partir de uma campanha de financiamento coletivo.

Mariana narra em seu livro desde o período de sua preparação para ter o bebê, passando pela dificuldade que teve para engravidar e vai  até os desafios para lidar com as restrições impostas pelo distanciamento social nos últimos meses de gestação.

Há passagens que só quem tem deficiência visual poderia viver, como a necessidade de achar amigas para ir junto ao banheiro e ler o resultado do testes de gravidez, que depende da visão para ser interpretadoconta.

Segundo Mariana, a inspiração para contar sua história veio de uma leitura, do livro Maria de Rodas” Grupo Editorial Scortecci), em que cinco autoras cadeirantes dividem suas experiências com seus filhos.

Organizadora de duas edições do livro “Histórias de Baixa Visão” (Editora CRV), em que 23 pessoas com deficiência visual (incluindo o autor deste blog) contam histórias tendo a limitação na visão como pano de fundo, Mariana diz sentir falta de textos que tratem da maternidade para pessoas com alguma limitação visual.

O tema merece discussão, segundo ela, tanto para encorajar outras mulheres com deficiência, como também para que sejam enfrentados estigmas e preconceitos.

“A gente que tem deficiência visual vive em dois mundos paralelos. Um que eu chamo de ‘cegolândia’, em que ficam outras pessoas que não enxergam, e o restante da sociedade. Enquanto nosso grupo entende que é normal ter deficiência e um filho, os demais nos veem com desconfiança”, afirma.

O desconhecimento apareceu principalmente por meio de perguntas desagradáveis já na época da gravidez. Era frequente quererem saber como ela iria se virar, se seu marido enxergava e outros questionamentos incômodos que, em sua opinião, não seriam feitos caso ela não tivesse uma deficiência.

“Era cansativo ter que ficar explicando que iríamos conseguir criar nossa filha e, em alguns casos, até que a pessoa com deficiência pode ter um marido. Temos que ficar nos afirmando o tempo todo”

Para Mariana, a deficiência visual era uma questão menor quando pensava sobre os desafios que teria com a maternidade.

“Fazer adaptações para o cotidiano não é novidade para mim e já pensava nas que teria de fazer quando fosse mãe. Mas preparar alguém para a vida é muito mais difícil do que ter deficiência visual. Você precisa passar valores,. Quero que ela lute por um mundo melhor do que o que temos hoje.”

A jornalista diz que sua filha é muito comunicativa, faz barulhos o tempo todo para chamar sua atenção. “Ela sabe os pais que tem, sabe que não adianta ficar apontando o dedo para o que quer e fazer careta”, diz.

Mariana é autora do blog Três Gotinhas, de crônicas e notícias que tratam de sua experiência com a deficiência visual. O nome da página veio de seu gosto de café com adoçantes. Porém as poucas gotas ficam só no título. Enxergando pouco, ficou impossível não derramar mais do que o necessário e agora ela prefere tomar a bebida pura mesmo.

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