Haja Vista https://hajavista.blogfolha.uol.com.br Histórias de um repórter com baixa visão Tue, 07 Dec 2021 17:23:21 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Haja Vista agora tem novo endereço na Folha https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/2021/12/07/haja-vista-agora-tem-novo-endereco-na-folha/ https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/2021/12/07/haja-vista-agora-tem-novo-endereco-na-folha/#respond Tue, 07 Dec 2021 17:23:21 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/?p=341 Caro leitor,

 

Este blog continua na Folha, mas, agora, em um novo endereço. Acesse www.folha.com.br/hajavista para continuar lendo tudo o que é publicado.

 

Textos já publicados permanecerão neste espaço para serem lidos e relidos.

 

Clique a seguir para ler o novo texto, “Memórias estão guardadas em mais lugares além da visão” no blog.

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Site vai mapear e dar visibilidade a artistas com deficiência https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/2021/11/25/site-vai-mapear-e-dar-visibilidade-a-artistas-com-deficiencia/ https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/2021/11/25/site-vai-mapear-e-dar-visibilidade-a-artistas-com-deficiencia/#respond Thu, 25 Nov 2021 17:20:13 +0000 https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/1.-Cartas-para-Irene_Foto_Juliana-Canancio-300x215.png https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/?p=333 O Itaú Cultural vai mapear a partir de uma plataforma online os artistas com deficiência que atuam no Brasil para aumentar a visibilidade e as oportunidades de trabalho para o grupo.

Chamado Arte e Acesso – Portifólio Coletivo de Artistas com Deficiência, o portal permitirá buscar artistas por áreas de expressão, estado e palavras-chave. Também mostrará uma biografia de cada pessoa cadastrada e indicará suas redes sociais. Estará disponível neste link.

A instituição afirma que o portal tem como objetivo incentivar programadores, curadores e produtores a expandir a presença desses artistas em suas programações.

O lançamento faz parte da programação do festival Entre Arte e Acesso, promovido a cada dois anos e que está em sua quinta edição.

Em 2021, serão 15 apresentações de trabalhos de artistas e pesquisadores com deficiência e rodas de conversa, que vão das 15h de sexta (26) até a noite de domingo (28).

As transmissões serão feitas no canal da instituição no YouTube. Contarão com audiodescrição, Libras (Língua Brasileira de Sinais) e estenotipia.

Entre os destaques da programação está a peça “Birita, procura-se. com estreia às 20h desta sexta.

Nela, uma palhaça com deficiência part5e em busca de um emprego para pagar as contas. O espetáculo é interpretado pela atriz, palhaça, palestrante e produtora Ariadne Antico, que tem paralisia cerebral.

a programação será encerrada no domingo, às 19h, com a peça “Cartas para Irene”, da Cia. Ananda, que conta a história de uma mulher que vê o filho perder a visão e escolhe educá-lo com confiança, tendo em vista o desenvolvimento de suas potencialidades.

Todos os espetáculos ficarão disponíveis para serem acessados até 15 dias após a exibição.

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Cotovelo é a parte do corpo humano com a qual tenho mais intimidade https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/2021/11/18/cotovelo-e-a-parte-do-corpo-humano-com-a-qual-tenho-mais-intimidade/ https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/2021/11/18/cotovelo-e-a-parte-do-corpo-humano-com-a-qual-tenho-mais-intimidade/#respond Thu, 18 Nov 2021 15:37:24 +0000 https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/files/2021/01/Foto-Bengala-300x215.jpg https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/?p=330 Para que serve o cotovelo? Doer bastante não conta.

Talvez você não tenha encontrado muitas respostas. Eu já digo que é a parte do corpo humano com a qual tenho mais intimidade. É que é principalmente no cotovelo de quem guia que a pessoa com deficiência visual segura quando precisa de direção para chegar ao seu destino.

 

O cotovelo é útil porque o toque nele permite ao cego se posicionar um pouquinho atrás da outra pessoa e sentir com precisão para onde ela vai. O guia também pode colocar seu cotovelo para trás do corpo e assim indicar silenciosamente que é preciso formar uma fila com a pessoa que está sendo conduzida quando o espaço fica estreito.
Se nós que não vemos não costumamos ter acesso ao rosto de quem está do nosso lado o tempo todo, pelo cotovelo é possível fazer uma leitura muito acurada de uma série de informações: a altura da pessoa, seu porte físico, desenvolvimento da musculatura,temperatura,  flacidez e oleosidade da pele, presença de pelos. Talvez eu tivesse dificuldade de diferenciar duas pessoas conhecidas tocando a face delas, mas acho que me sairia muito bem num jogo de “adivinha quem é” no qual a missão seria ligar nomes e cotovelos.
Enquanto a maioria das pessoas negligencia essa parte do corpo, fora os jogadores de futebol com pavio curto, para nós é praticamente impossível sair na rua e não conhecer cotovelos novos.

É que, quando dizemos que vamos para algum lugar sozinhos, normalmente não é isso o que acontece de fato. Andamos alguns metros desacompanhados e, seja por estarmos demonstrando alguma dificuldade, seja porque algumas pessoas gostam de fazer isso ou se sentem na obrigação de ajudar, a cada poucos metros alguém oferece o braço para nos fazer atravessar uma rua ou superar um obstáculo no caminho.

Claro que nem todos entendem de imediato que não queremos suas mãos nas nossas ou sobre nossos ombros. Não fiquem magoados, é com a gente, não com vocês. Andar de mãos dadas é bonito, mas menos eficiente.

Pior ainda quando nos pegam sem avisar e saem empurrando ou puxando por aí. No final, nos acostumamos com essas abordagens menos delicadas e nem tomamos mais susto pensando que é um assalto.

Importante dizer que, ao mesmo tempo em que os caminhos de nossas cidades, escolas e empresas, em geral, ainda não são feitos para que todos de verdade andem por eles com segurança e autonomia, queremos ter a maior independência possível nessa corrida de obstáculos e, por vezes, podemos até dispensar alguns cotovelos para tentarmos nos virar por conta própria o quanto for possível. Então não saia por aí forçando a amizade e empurrando seu cotovelo, mas pergunte sempre se quem não enxerga gostaria de alguma ajuda.

 

Numa metrópole como São Paulo, em que circulam milhões e milhões de pessoas, sempre aparece alguém disposto a conduzir. Mas a impressão que tenho ao com frequência ficar minutos esperando alguém me avisar a hora em que o farol está verde, enquanto percebo pessoas do meu lado atravessando apressadamente, me faz pensar que ainda é a minoria que está atenta a quem está do seu lado ou fica constrangida de oferecer o braço por medo de não saber como fazer.

Mais do que um ato de respeito e cidadania, permitir que alguém ande a seu lado em segurança por alguns instantes pode ser a oportunidade de trocar experiências com uma pessoa que circula por trilhas parecidas. Muitas amizades minhas começaram assim. É que, num mundo em que muitos têm receio de se aproximar de quem é diferente, é frequente que a pessoa disposta a conduzir seja também a que está interessada em saber de onde vim, o que tenho a dizer e para onde vou.

Nessa volta gradual para as ruas, lembre-se com carinho de seu cotovelo. Quem sabe ele não vai te ajudar a encontrar pessoas legais por aí?

Uma observação. Durante a pandemia, outra função para o cotovelo surgiu: receber espirros e tossidas. Por isso, passou-se a recomendar temporariamente que o cego tocasse o ombro de quem o conduz. Essa também pode ser uma opção quando a pessoa que guia é muito mais baixa do que a conduzida.

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Empresa torna filmes acessíveis para cliente que não enxerga https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/2021/11/04/empresa-oferece-servico-de-acessibilidade-em-filmes-sob-encomenda/ https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/2021/11/04/empresa-oferece-servico-de-acessibilidade-em-filmes-sob-encomenda/#respond Thu, 04 Nov 2021 17:02:54 +0000 https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/Foto-Charles-300x215.jpg https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/?p=319 Filmes clássicos que nunca foram lançados com recursos de acessibilidade estão recebendo audiodescrição sob encomenda de clientes com deficiência visual da empresa Cineblind.

Segundo Charles Moreira, 29,  idealizador do projeto, o preço para contratar uma audiodescrição parte de cerca de R$ 100 para filmes de uma hora e meia e vai a R$ 300, no caso de longas com mais de 3 horas de duração.

Moreira, que é cego e também tem uma produtora de áudio para gravar jingles e locuções, diz que a entrega do filme para o cliente leva até 60 dias, período necessário para que a roteirista Vanusa Serafim prepare o texto da audiodescrição, o conteúdo seja analisado por consultor cego  e Moreira ou outro narrador faça a gravação das inserções de informações, como aparência das personagens, cenários e ações.

Entre os filmes que já foram tornados acessíveis após pedido de cliente com deficiência estão títulos de gêneros variados como  “2001, Uma Odisséia no Espaço”, “Lilo & Stitch” ,”Coringa” e “O Bebê de Rosemary”.

As produções feitas sob encomenda pela Cineblind podem tanto ficar públicas na internet para outros espectadores com deficiência como tamb~em serem mantidas particulares, dependendo da opção do cliente, diz Moreira. Quem faz o pedido também pode ser incluído nos créditos finais do filme como patrocinador da audiodescrição, conta.

Segundo Moreira, com a tabela de preços praticada atualmente, a companhia não consegue ser lucrativa. O valor é suficiente para pagar as contas, mas ainda não é possível investir mais na iniciativa e todos que participam do projeto têm outras atividades, incluindo também a esposa de Moreira, Renata Cardozo, que é formada em direito e faz narrações.

O Cineblind começou em 2017, incluindo descrições voluntariamente e disponibilizando o conteúdo em canal no YouTube em versões apenas com o som e as descrições.

 

Filmes como “Forest Gump”, “Titanic” e “O Rei Leão” foram incl~uídos no YouTube a partir deste formato desde 2017, conta Moreira. A plataforma, porém, pasou a ser usada com menos frequência, depois que alguns vídeos foram tirados do ar pelo sistema do YouTube indicar violação de direitos autorais, conta Moreira. Ele diz haver amparo legal para a exibição da versão sem imagem das produções para oferecer acessibilidade a pessoas com deficiência, mas evita questionar as decisões para não correr o risco de ter o canal suspenso.

Além das encomendas, a empresa segue com a produção voluntária de filmes e vem exibindo eles em lives em sua página no Facebook e deixando disponível no Portal Cegos Brasil, um repositório de conteúdo variado para pessoas com deficiência visual. Entre os trabalhos recentes estão a audiodescrição dos filmes da série Harry Potter.

Para o futuro, Moreira diz que uma das metas é criar um site para que a Cineblind tenha um espaço próprio para hospedar suas produções.

Conforme a capacidade de investimento aumente, Moreira também deve investir em mais equipamentos para montar um estúdio em que a equipe possa trabalhar junta —hoje cada pessoa que colabora com a Cineblind atua da própria casa.

Com isso, ele espera atender a uma maior demanda por audiodescrição que acredita que deverá vir das plataformas de streaming, das emissoras de TV e das distribuidoras, conforme elas passem a oferecer mais acessibilidade.

Para Moreira, a audiodescrição amplia o conhecimento de pessoas com deficiência visual, ao permitir que elas recebam mais informações sobre diferentes locais do mundo. A ferramenta também amplia o repertório de gestos para expressar emoções, pois, a partir dela, muitos cegos ganham mais familiaridade com ações como franzir a testa ou  dar de ombros, diz, citando frases frequentes em roteiros de audiodescrição.

 

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Exclusão de pessoas com deficiência na cultura não deveria ser tratada com naturalidade https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/2021/10/24/exclusao-de-pessoas-com-deficiencia-na-cultura-nao-deveria-ser-tratada-com-naturalidade/ https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/2021/10/24/exclusao-de-pessoas-com-deficiencia-na-cultura-nao-deveria-ser-tratada-com-naturalidade/#respond Sun, 24 Oct 2021 17:09:14 +0000 https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/files/2020/10/Foto-Braille-300x215.jpg https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/?p=312 Para cegos ou quem tem baixa visão, a notícia de um novo filme, série, peça de teatro ou livro sempre vem acompanhada de uma dúvida: será que foi feito para mim também?

A questão não é sobre se vai passar no streaming que a pessoa assina ou em alguma plataforma que ainda busca conquistar espaço na fatura de seu cartão de crédito. Acontece que ficamos pensando se desta vez nos será dado o direito de ter acesso ao que os demais clientes do serviço podem ver.

Experimente falar para um cego sobre algo muito bom que você assistiu recentemente. Provavelmente você vai logo ouvir algo como: “Vou pesquisar para ver se tem audiodescrição”. Esse é um recurso usado para, a partir da adição de uma locução nos momentos em que não há diálogo, informar aos espectadores com deficiência elementos fundamentais do cenário, fisionomia de personagens e ações. Em muitos casos, é o que faz a diferença entre não entender nada ao assistir um filme ou poder aproveitá-lo como qualquer pessoa.

Em uma conversa recente com uma pessoa que acabava de conhecer pela internet, fui perguntado sobre que tipo de filme eu gosto de assistir. Fiquei meio constrangido, meio com preguiça de ter de explicar que qualquer um que tenha acessibilidade estava bom. Improvisei um “sou eclético”, falei um conjunto meio sem nexo de coisas que tinha visto nos últimos meses  que ia de animações infantis a filmes policiais, e, claro, o papo não durou muito.

A gente se acostuma com isso, a poder assistir só uma parte do que passa nos cinemas, na televisão e nos palcos. E ainda por cima ficamos mais gratos quando o recurso é oferecido do que indignados com a falta dele na maioria dos casos.

Nesse contexto em que ficarmos de fora é o padrão, o resultado é que o repertório cultural das pessoas com deficiência fica defasado. Traduzindo para uma linguagem mais para Friends do que para filme iraniano na mostra de cinema, não participamos das discussões do momento. E falo de Friends, que estreou nos anos 1990, quando eu enxergava bem mais, porque não sei bem quais as séries de comédia atuais.

O questionamento sobre se fomos lembrados se repete o tempo todo. Saiu um novo aplicativo, será que foi construído de modo que um cego consegue usar? Preciso preencher um formulário online, será que os campos estão acessíveis? Gostaria de visitar um museu, será que há alguma descrição dos quadros e orientação para aproveitar a exposição? E o que pensar da quantidade cada vez maior de imagens com informações nas redes sociais que não possuem uma descrição de seu conteúdo e, portanto, não foram publicadas lembrando de nós?

O cenário ainda é bastante desfavorável, mas há evoluções. A maior delas está no acesso a livros. Próximos dias sai um novo do Chico Buarque e não tenho dúvidas de que haverá uma versão digital que poderei ler em algum aplicativo, com apoio do software leitor de tela que roda no aparelho.

Essa segurança existe nos sucessos de vendas. Já quando se precisa de um livro mais especializado, acadêmico, as chances diminuem sensivelmente. E pode ser que, ao escrever para a editora dizendo que é lei haver uma versão acessível da obra, receba apenas uma resposta sucinta dizendo que o livro só é oferecido em formato físico.

De vez em quando a gente dá um jeito de entrar pelas portas dos fundos, quando há um pouquinho de piso tátil  por lá. Consegue um amigo que esteja disponível para assistir junto a um filme e explicar o que não deu para entender só pelo som, escaneia livros página a página e tenta decifrar as letras que não foram captadas pelo aparelho, encontra na internet circulando clandestinamente uma cópia digital da obra, encontra um site com filmes sem imagens e com descrições. E nos achamos o máximo por estarmos driblando o sistema excludente, em vez de nos irritarmos por precisarmos fazer essas manobras.

Falando em coisas boas, também há iniciativas que surpreendem e enchem de esperança ao mostrar que é possível incluir mesmo que você não seja executivo de um grande estúdio ou de uma plataforma bilionária de streaming.

Minha amiga luiza gianesella lançou neste ano seu livro de estreia, entremarés.

Além da versão impressa, seus poemas estão disponíveis em áudio, na voz da própria autora, no Spotify.

Mais do que isso. Ela teve o cuidado de procurar soluções próprias para a versão falada de sua poesia que permitissem traduzir efeitos gráficos adotados na escrita. Vale trabalhar com tridimensionalidade no som, sobrepor gravações da voz falando palavras diferentes ao mesmo tempo e soletrar palavras para sublinhar sentidos múltiplos revelados pela grafia. A ideia não foi minha, mas ouvi alguns desses experimentos criativos antes do lançamento para opinar se funcionavam e já começamos a estudar ideias futuras.

Inclusão de verdade é assim, envolve respeito, dedicação e arte.

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Quem não oferece acessibilidade deveria dizer que pessoas com deficiência não são bem-vindas, diz jornalista https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/2021/10/19/quem-nao-oferece-acessibilidade-deveria-dizer-que-pessoas-com-deficiencia-nao-sao-bem-vindas-diz-jornalista/ https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/2021/10/19/quem-nao-oferece-acessibilidade-deveria-dizer-que-pessoas-com-deficiencia-nao-sao-bem-vindas-diz-jornalista/#respond Tue, 19 Oct 2021 15:30:10 +0000 https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/PHOTO-2021-10-14-15-27-28-300x215.jpg https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/?p=304 Para a jornalista Cláudia Werneck, que atua há cerca de 30 anos na defesa da inclusão das pessoas com deficiência, a comunicação acessível ainda não é vista como direito fundamental nem sua ausência como fator de exclusão.

Autora de 14 livros sobre inclusão e diversidade, ela fundou em 2002 a ONG Escola de Gente, que atua na criação de soluções de acessibilidade.

Entre os recursos que devem ser usados para que informação, arte e entretenimento possam chegar a todos estão a audiodescrição (descrição de imagens), o uso de formatos digitais para textos, legendagem de vídeos e oferecimento de interpretação em Libras (Língua Brasileira de Sinais), por exemplo.

“Fala-se muito em liberdade de expressão, mas não do direito de comunicação acessível garantido. O que adianta ser livre para falar sem ter um intérprete?”, diz ela, destacando que muitas vezes nem pessoas com deficiência percebem que a comunicação inclusiva deveria ser entendida como direito básico.

Questionada sobre como viabilizar a adoção desses recursos de acessibilidade, levando em conta o custo associado à adoção deles, Werneck diz que, se as empresas quiserem falar que são realmente inclusivas e se importam com diversidade para além do discurso, precisam colocar o tema da acessibilidade em seus orçamentos.

“Se você não quer colocar audiodescrição, deveria escrever no convite: ‘este espetáculo é para todo mundo, menos os cegos'”, afirma.

“Quanto custa discriminar uma pessoa cega? É só fazer um livro sem oferecer ele em formato acessível.  Agora é preciso fazer um orçamento sem discriminação. Onde você coloca o dinheiro indica em que você acredita.”

Werneck cita como exemplo o grupo de teatro Os Inclusos e os Sisos, que nasceu na Escola de Gente em 2003 contando com a filha da jornalista, a atriz Tata Werneck, entre os criadores. Em 2003, quando não havia recursos, a audiodescrição era feita no ouvido do espectador. Depois passou a ser pré-requisito para que o grupo se apresentasse: “Muitas vezes tínhamos 12 recursos de acessibilidade diferentes, alugávamos banheiro químico acessível. Sempre fomos radicais. Isso não é desperdício, é estar preparado para atender as pessoas que existem, sem restringir quem pode vir ou não.”

Outro espaço onde há muita exclusão, e  que ganhou mais importância com a pandemia, é a internet. O problema ocorre tanto pela falta de acessibilidade em sites e aplicativos como também pela dificuldade de acesso à conexão adequada por pessoas com deficiência em situação de vulnerabilidade financeira.

“A comunicação está mais complexa, mais rápida, imagética. O impacto é gigantesco. Todos perdem com as interrupções no fluxo de informações quando ele é interrompido por não chegar a uma pessoa com deficiência”, afirma. “Falta de informação impacta o direito a vida. Sem informações, você não toma decisões.

Notando que praticamente todas as lives realizadas na pandemia não tinham acessibilidade, incluindo transmissões da Organização Mundial de Saúde para tratar da Covid-19, a Escola de Gente lançou em 2020 o projeto Hiperconexão Inclusiva, para criar uma plataforma de lives que permitisse a adoção de audiodescrição e interpretação em Líbras.

 

Em setembro, a organização também relançou o aplicativo VEM CA, que havia entrado no ar pouco antes da pandemia indicando eventos com acessibilidade, e acabou deixando de ser prioridade quando as atividades não puderam mais ser realizadas por causa do distanciamento social. Agora o programa também reúne conteúdos que podem ser acompanhados digitalmente e que oferecem ao menos um recurso para ampliar a inclusão.

A discussão sobre a possibilidade de crianças com deficiência severas estudarem em escolas especializadas, trazida pelo ministro da Educação Milton Ribeiro, também é vista como revés recente para o grupo por Werneck.

Para ela, é preciso que o tema da inclusão nas escolas seja compreendido como um assunto de toda a sociedade, e não só das famílias que possuem crianças com deficiência. Segundo Werneck, da adaptação das escolas para receber todas as crianças que existem virá um desafio e, com ele, a inovação, diz.

Ao argumento do ministro em favor da educação em ambientes separados de que um aluno cego teria dificuldade para entender quando o professor de geografia apontar para um mapa, Werneck contrapõe a experiência de professor que criou maquete com o Sistema Solar para compreensão de alunos com deficiência visual que acabou beneficiando o aprendizado de todos os estudantes, pois outros colegas tinham dificuldade para como se dá a órbita dos planetas em relação ao sol.

Para a jornalista, quando crianças aprendem a incluir desde cedo,  têm uma atitude que privilegia a diversidade durante toda a vida.

“Se você frequenta uma educação inclusiva, em sala que representa a diversidade humana e em que a necessidade de aprendizagem de todos é atendida, você terá uma geração que se exercita democraticamente na diversidade.”

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Guias de turismo conduzem viagens virtuais pela voz em rede social https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/2021/10/12/guias-turisticos-levam-para-viagens-virtuais-com-a-voz-em-rede-social/ https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/2021/10/12/guias-turisticos-levam-para-viagens-virtuais-com-a-voz-em-rede-social/#respond Tue, 12 Oct 2021 17:57:47 +0000 https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/Prefeitura-300x215.jpg https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/?p=293 Um movimento de guias de turismo na rede social ClubHouse vem realizando

passeios virtuais guiados pela voz de quem está em pontos turísticos espalhados mundo afora.

Nesses eventos ao vivo, guias treinados na técnica da audiodescrição, usada para apresentar ambientes, características físicas de pessoas e ações para quem tem deficiência visual, mostram a um grupo de participantes um local turístico. O

Na atividade, os guias caminham pelos pontos apresentados, enquanto os participantes acompanham a visita de qualquer lugar, a partir do aplicativo da rede social.

onde estão naquele momento, em tours virtuais sem imagens.

No último sábado (8), a guia Roberta Perez, fundadora da empresa Nordic Ways, e uma das organizadoras da iniciativa, passeou com um grupo de cerca de 20 pessoas pela cidade de Sigtuna, na Suécia, país onde reside.

A cidade de 10 mil habitantes , localizada à margem do lago Mälaren e onde foi cunhada a primeira moeda sueca ainda no Século 10, preserva caminhos de mais de 1.000 anos trilhados pelos vikings.

A sensação de quem acompanhou o passeio de longe foi de estar, de olhos fechados, caminhando perto da guia, que descrevia a temperatura, explicava o caminho percorrido e a direção onde se localizavam as casinhas de madeira do Século 18 e as ruínas de igrejas medievais, apresentadas com muita cor e detalhe.   Ao mesmo tempo, Roberta incluía  informações sobre a história e a cultura do local.

Ari Protázio, pianista, youtuber  e palestrante que tem deficiência visual, conta que a ideia de levar a audiodescrição para o clubHouse surgiu de seu interesse por turismo, que o levou a interagir com frequência com influenciadores da área pelas redes sociais.

Ele conta que, quando Rogério Enachev, um guia que já havia entrevistado para seu canal de YouTube, o encontrava em alguma sala do ClubHouse, logo fazia sua descrição e também pedia que os demais participantes da sala contassem a Ari como cada um era fisicamente.

A audiodescrição foi se espalhando entre os guias usuários da rede, até que o primeiro passeio audiodescrito foi realizado por ideia da guia Marina Sacco, que mora na Itália.

 

A partir da experiência, Ari teve a ideia de criar oficinas de audiodescrição para guias a partir da rede social para multiplicar a iniciativa.

Na primeira oficina, realizada em abril, foram 12 guias. Apenas um deles morava no Brasil. Havia profissionais participando da França, Holanda, Suécia, Estados Unidos, Inglaterra, conta.

A partir de então passaram a acontecer eventos semanais para que guias treinassem o que aprenderam levando um grupo para passear em algum lugar diferente.

Ari conta que as viagens não acontecem sempre no mesmo club (canal dentro dessa rede social). Em vez disso, a cada semana o evento vai para um canal diferente, com o objetivo de mostrar a audiodescrição para mais pessoas.

Na próxima sexta (15), por exemplo, haverá passeio para Nova York às 18 horas pelo canal Conexão de Negócios.

 

Stora Gatan, rua principal de Sigtuna (Nordic Ways/Divulgação)

 

 

Ari diz que a audiodescrição não precisa ser só para cegos e quem participa da experiência de uma viagem audiodescrita treina o olhar para perceber mais detalhes ao seu redor. De fato, no tour que acompanhei, estavam presentes participantes sem deficiência e que não conheciam o recurso. Eles elogiaram a experiência e disseram se sentir imersos na cidade visitada.

Os passeios feitos pela rede social vêm sendo realizados realizados voluntariamente pelos profissionais envolvidos, sem custo para os espectadores. Ari diz que o amor dos guias pelo trabalho e a vontade de incluir explicam o engajamento dos profisisonais no projeto.

Mas Ari e Roberta veem potencial para que a iniciativa cresça também do ponto de vista comercial. A Nordic Ways já oferece passeios com audiodescrição a partir do projeto Viajando de Olhos Fechados, visando atender ao público corporativo.

Ari diz acreditar que empresas podem buscar a viagem audiodescrita para proporcionar momentos de relaxamento para funcionários e ensinar sobre acessibilidade. O objetivo, diz Ari, é que em cada canto do mundo haja um guia brasileiro preparado para receber turistas cegos com a maior qualidade possível.
Em novembro acontece nova oficina para formar guias em audiodescrição.   O evento será pago e os valores definidos nos próximos dias.

Para ficar sabendo dos próximos passeios, o caminho indicado por Ari é seguir o perfil dele e da Roberta no ClubHouse.

 

#ParaTodosVerem

 

A primeira foto mostra a Prefeitura de Sigtuna, inaugurada em 1744. Sua construção de madeira, pintada em diversas cores é algo atípico no panorama sueco. O edifício possui uma grande porta de madeira escura bem ao centro com batentes verde escuro e um triangulo definido ao topo. Para cada lado dois pares de janelas com batentes do mesmo tom de verde. Telhas avermelhadas e uma torre quadrada, alta e pontiaguda com um relógio abaixo de sua varanda.

 

Na segunda imagem está  a rua Stora Gatan, principal via de Sigtuna e uma das mais preservadas do país. Em  tempos passados cada uma das ruelas laterais possuía um deck para o lago Malären. Hoje o lago está um pouco mais distante, mas a rua do comércio esta conservada com as mesmas construções do Século 18 e 19. Na foto a esquerda a primeira casa, sobrado, em tons de verde é a primeira da numeração ímpar da rua. Do outro lado da rua encontramos outro sobrado em tons de gelo e porta verde que é a imobiliária local, dando sequência a diversas casas históricas do lado par da rua.

 

Descrições fornecidas pela Nordic Ways

 

Rede Sociais

 

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Máquina de escrever, para quem lê em braille, é ferramenta moderna https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/2021/08/11/maquina-de-escrever-para-quem-le-em-braille-e-ferramenta-moderna/ https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/2021/08/11/maquina-de-escrever-para-quem-le-em-braille-e-ferramenta-moderna/#respond Wed, 11 Aug 2021 15:00:20 +0000 https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/files/2021/08/IMG_0578-300x215.jpg https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/?p=286 Em pleno Século 21, depois de conhecer computadores, smartphones, assistentes virtuais inteligentes e até a linha braille,  comemoro a chegada de minha nova máquina de escrever.

Esclareço logo que não sou Saudosista dos tempos da Olivetti. Na verdade, precisei fazer uma busca na internet para lembrar o nome da empresa famosa pelas máquinas da escrever.  A única lembrança que tenho de um modelo do tipo se mistura com o dia em que, visitando o escritório do meu pai, caiu meu primeiro dente de leite

Muito provavelmente isso tudo foi antes de eu saber digitar meu nome em um teclado. Minha alfabetização digital já aconteceu com mouse e monitor à disposição das mãos, acessando o MS-DOS para acionar o CD-Rom do game “Super Street Fighter 2 Turbo” no PC, ainda usando a visão que tinha.

A máquina de datilografia que está agora em meu quarto/escritório tem apenas nove botões. Em vez de deixar tinta no papel, ela perfura a folha para marcar neles os pontinhos do braille.

Seis das teclas da máquina são usadas para marcar no papel cada um dos seis pontos que criam uma cela braille, unidade básica da escrita tátil.

Cada uma dessas celas, formada por duas colunas de três pontos que podem estar levantados ou abaixados. Dependendo da combinação deles, forma-se uma letra ou sinal do braille.

Para escrever um sinal que exige um ponto em relevo, aperta-se uma tecla. Para um sinal formado por mais pontos, segura-se as teclas necessárias ao mesmo tempo. Se eu apertar as seis teclas de uma vez, escrevo a letra “E” com acento agudo.

Também há teclas para fazer o carrinho que cria os relevos no papel descer para a próxima linha, avançar ou retroceder um espaço. Ou seja, nem é tão diferente de controlar o cursor em um arquivo no Bloco de Notas no computador.

O que isso significa, na prática, é que, depois de mais de uma década,  posso voltar a colocar minhas ideias diretamente no papel e em um formato em que eu consiga ler sozinho, sem precisar de nenhum programa de computador que dite o que eu mesmo escrevi.

Agora posso produzir e ter nas minhas mãos uma partitura  e, com ela, ensinar mais gente a ler música, principal motivo para eu desejar uma máquina. Para mim, o mais importante será ter meus textos lidos por outras mãos. O primeiro, com palavras doces para alguém especial, já foi entregue pelo carteiro.

Além de toda a empolgação minha, a máquina também foi recebida com latidos furiosos do Bob, que não gostou do novo batuque de escola de samba daqui de casa. Outro motivo para a irritação canina é que ela tem um sininho que toca quando escrevo, indicando que a linha está   quase toda preenchida. O som agudo pode ter incomodado seus ouvidos sensíveis.

Além da máquina de datilografia, também é possível escrever em braille usando a reglete, uma forma de madeira com furinhos a partir da qual se marcam os pontos do braille com uma Punção, escrevendo da direita para a esquerda.  Para um aprendiz de braille novato, ainda me parece complexo, mas é uma ferramenta prática, por ser possível levá-la a qualquer lugar.

 

Também existem impressoras em braille, para imprimir arquivos digitais. Mas elas podem custar mais de R$ 20 mil, o que torna seu uso inviável com muita frequência.

Minha convivência com a máquina braille é recente, mas conheço histórias de pais e mães que ficaram por noites sentados em frente a uma máquina dessas, copiando livros e apostilas para serem usados por seus filhos na escola. Apesar de estar sendo por vezes substituída pelos notebooks, que são mais leves, discretos e silenciosos, as máquinas ainda são usadas com frequência na sala de aula.

A tecnologia trouxe muitos avanços para a inclusão de pessoas com deficiência visual. Hoje, é completamente viável que se trabalhe por anos em um jornal só escrevendo no teclado de computadores ou em celulares. Mas Considero fundamental que o braille esteja presente na alfabetização de quem não pode ler com os olhos e seja sempre uma possibilidade para quem perdeu a vista mais tarde e quer se reconectar com a leitura de modo silencioso e profundo.

Vida longa para a nova e velha máquina de escrever.

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Mesmo quando reconhecemos limitações, deficiência não impede de continuar sonhando https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/2021/08/01/mesmo-quando-reconhecemos-limitacoes-deficiencia-nao-impede-de-continuar-sonhando/ https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/2021/08/01/mesmo-quando-reconhecemos-limitacoes-deficiencia-nao-impede-de-continuar-sonhando/#respond Sun, 01 Aug 2021 21:58:12 +0000 https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/files/2021/08/Medalhas-300x215.jpg https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/?p=279 Esta semana voltei a sonhar que estava no colégio, algo que é muito frequente. Desta vez, eu  estava jogando futebol. A grande novidade é que recebia um lançamento pela ponta esquerda da quadra, dominava a bola com categoria, entrava na área e estufava as redes, para delírio geral da turma.

A quantidade de vezes em que marquei um gol em jogo para valer, daqueles em que cinco vira o campo e dez acaba, não devem encher duas mãos. Quando acontecia, eu virava o assunto do dia. “Vocês não acreditam, hoje teve gol do Fi”, contavam os colegas para quem não vira a façanha.

Eram três tipos de jogadores no futebol. Aqueles que eram tão bons que não poderiam jogar no mesmo time, para não desequilibrar a partida. Por isso eram os capitães, tiravam par ou ímpar e escolhiam quem jogaria do seu lado. Depois vinham os normais, que iam sendo selecionados conforme a afinidade com o líder. Por último, os que não conseguiriam fazer uma embaixadinha ou segurar uma bola jogada em direção a eles e, por isso, nenhum time poderia ter dois jogadores dessa mesma categoria, também em nome da competitividade da partida.

Eu invariavelmente estava no terceiro grupo, o que, para os meninos em seus 12 ou 13 anos, era uma posição bastante desconfortável.

Não que eu desanimasse por causa disso. Todo recreio estava na quadra, com a convicção de que o treino e o esforço me permitiriam uma promoção. Não me importava em ser por muito tempo o centro da roda no jogo de “bobinho”, em que um jogador vai passando a bola para o outro enquanto eu tentava um desarme, pois imaginava que isso seria bom para eu me aprimorar. Também era comum que alguém no tempo livre ficasse jogando a bola em minha direção para que eu tentasse agarrar com minhas mãos furadas para praticar o reflexo.

Havia também um colega que era uma espécie de técnico. Isso porque, o que lhe faltava em habilidade, esbanjava em conhecimento sobre o futebol. Poderia dizer facilmente a escalação da Hungria de 1954 ou explicar o funcionamento do carrossel holandês de vinte anos depois. O conhecimento, porém, não o impedia de conviver com alguma dificuldade para driblar um poste.

Foi ele quem, numa cena que voltou ao meu sonho 20 anos depois, me sugeriu da beira da quadra que eu invadisse a área adversária correndo o mais rápido que podia para esperar uma enfiada de bola certeira. Tal como voltei a fazer recentemente na minha imaginação, segui a orientação e finalizei com categoria para receber o abraço do time.

Satisfeito com o sucesso de sua estratégia, o técnico disse o que tinha notado. Habilidade não me faltava. Provavelmente, se enxergasse bem, eu poderia ter me tornado um ótimo jogador de futebol.

Éramos muito amigos e foi uma fala dita com admiração. Mas me apresentou uma forma nova de pensar, derrubando uma barreira de ingenuidade que protegia meus recreios. Até aquele momento, não colocava na conta dos olhos fracos, que não me ofereciam visão periférica e já possuíam acuidade limitada, a culpa por minha pouca intimidade com a bola.

Tempos depois um colega gritou comigo em uma partida por eu ter deixado o atacante adversário avançar sem marcação. Gritei de volta para ele: “Você acha que é fácil fazer isso sem enxergar bem?”. Constrangido, ele me pediu desculpas.

Ali eu já não era mais o mesmo. Um pouco por esse desencantamento, outro tanto também por ter descoberto o gosto de outras companhias, logo troquei o futebol nas aulas de educação física pelas meditações na sala de ioga com as meninas.

Descobrir que, mesmo querendo muito, a gente não vai ganhar uma medalha de ouro não é privilégio de quem tem uma deficiência, claro. E com certeza nos frustramos bem menos do que o atleta de elite que vê a medalha escorregar das mãos ao terminar em quarto lugar depois de anos de sangue e suor para reduzir alguns centésimos de seu tempo.

Mesmo assim, é inevitável que nos coloquemos um ou outro “se” de vez em quando. Será que eu seria um craque se conseguisse perceber a bola chegando perto de mim?  Eu ia ser louco por games se ainda pudesse acompanhar o Sonic correndo e dando loopings na tela? Teria me tornado o terror das noites se ambientes escuros e barulhentos não fossem torturantes para mim e tivesse como enviar mensagens sutis pelo olhar? Iria gostar de carros e fazer longas viagens pela estrada sem destino? Penso que poderia aprender a fotografar, pintar um quadro, entrar em uma biblioteca e ler jornais do Século 19.

A realidade de quem tem uma deficiência é conviver sempre com certos limites no que é possível alcançar, seja porque direitos ainda nos são negados, seja porque nossa forma de sentir e estar no mundo torna algumas tarefas mais complicadas mesmo. É ler apenas o que está disponível em versão digital ou áudio, assistir aos poucos filmes que contam com recurso de audiodescrição, fazer viagens cautelosas e, no mais das vezes, ser visto como merecedor de curiosidade e admiração, raramente de desejo.

Não estou dizendo que nossa competição é em vão. Gosto do que me tornei dentro das possibilidades que me foram dadas. Penso que muitas pessoas com deficiência poderiam ir tão longe ou mais se tivessem acesso aos recursos e apoio que encontrei.

Mas as regras para que possamos jogar costumam ter algumas dificuldades que não aparecem para os demais. Mesmo assim, insistimos em estar entre os titulares e tentamos evitar repetir a desculpa de que fracassamos por causa da deficiência. Para isso, é preciso encontrar um posicionamento adequado no campo, talvez pensar em um estilo mais cadenciado, ir pelas beiradas com categoria.

Ainda há muito jogo pela frente. Posso até ser ingênuo, mas não deixarei de sonhar com grandes lances. E acredito que é desse lugar que vem a energia para qualquer conquista.

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Campanha de financiamento coletivo distribui equipamento importado para leitura em braille https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/2021/07/28/campanha-de-financiamento-coletivo-distribui-equipamento-importado-para-leitura-em-braille/ https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/2021/07/28/campanha-de-financiamento-coletivo-distribui-equipamento-importado-para-leitura-em-braille/#respond Wed, 28 Jul 2021 13:30:12 +0000 https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/files/2021/07/Foto-300x215.jpg https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/?p=275 Uma campanha de financiamento coletivo está arrecadando recursos para distribuir linhas braille para pessoas com deficiência visual.

Organizada pela professora de inglês Cristiana Cerchiari , que é cega, a iniciativa possibilitou desde maio a compra de um equipamento, que é importado e custa cerca de R$ 15 mil.

Os aparelhos comprados são distribuídos a partir de sorteios. Setenta pessoas com deficiência visual se candidataram para participar. Os interessados não arcaram com nenhum custo para entrar na campanha.

O equipamento permite ler textos em formatos digitais a partir do braille. Sem o recurso, os textos seriam acessados por quem tem deficiência visual a partir de um software que faz a leitura com uma voz sintetizada.

Isso é possível porque o equipamento tem em seu corpo pontos de braille que se levantam ou  se abaixam de acordo com as letras presentes no texto que o usuário quer ler.

A conexão com computadores e smartphones pode ser feita via cabo ou bluetooth. Também há modelos que permitem armazenamento de arquivos no próprio aparelho.

A linha braille também conta com botões similares a de uma máquina de escrever em braille, para que o usuário possa escrever usando os sinais desse código, tanto no computador como também no bloco de notas do próprio aparelho.

Cristiana conta ter uma linha braille desde 2016. Ela diz que com ela fez muitas leituras silenciosas, sem precisar se preocupar em ouvir o leitor de tela, e melhorou seu rendimento na atividade de consultora em audiodescrição, para o qual precisa revisar textos complexos, e fez leitura de livros clássicos em inglês.

Em sua experiência, a leitura com as mãos permite maior concentração do que a escuta de textos.

Uma vantagem importante da linha braille em relação aos leitores de tela é a possibilidade que ela dá de manter um contato maior com a ortografia e os sinais de pontuação.

É possível que, caso não faça uso frequente do braille, especialmente durante a alfabetização, a pessoa que não enxerga tenha dificuldade para aprender a grafia correta das palavras, pois ela passa a depender principalmente da referência sonora para aprender a escrever as palavras.

Outro uso da linha braille menos difundido, adotado pelo autor deste blog, é a leitura de partituras musicais em braille.

Cristiana conta que, durante a pandemia, sentiu que deveria fazer uma ação solidária. Pensou na linha-braille por acreditar que o aparelho oferece muitos benefícios ao usuário, mas seu preço o torna inacessível para muitos.

Segundo Cristiana, a tanto crianças de dez anos como pessoas com mais de 60 interessadas em conseguir uma linha braille a partir da campanha.
Além de Cristiana, mais sete pessoas apoiam a iniciativa voluntariamente, cuidando da divulgação em redes sociais.

A campanha vai até o dia 8 de novembro. Cristiana conta que a quantidade de linhas que serão compradas e sorteadas depende do valor que for arrecadado até a data.

Mais informações no site Vaquinha.

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