Haja Vista https://hajavista.blogfolha.uol.com.br Histórias de um repórter com baixa visão Tue, 07 Dec 2021 17:23:21 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Alunas de biologia lançam app que mostra fauna e flora do Brasil com acessibilidade https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/2021/05/31/alunas-de-biologia-lancam-app-que-mostra-fauna-e-flora-do-brasil-com-acessibilidade-para-criancas/ https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/2021/05/31/alunas-de-biologia-lancam-app-que-mostra-fauna-e-flora-do-brasil-com-acessibilidade-para-criancas/#respond Mon, 31 May 2021 12:30:20 +0000 https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/Foto-Iara-300x215.jpg https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/?p=252 Alunas de biologia da Unesp lançaram o aplicativo Iara, que apresenta a fauna e a flora brasileira com recursos de acessibilidade.

A partir dele, as crianças ficam conhecendo a indiazinha Iara, que precisa viajar por todos os biomas brasileiros para colher sementes e recuperar uma árvore mágica que foi destruída pela ação humana. Todo o conteúdo pode ser acompanhado com descrições das imagens e apresentação do texto em Libras (Língua Brasileira de Sinais).

O material inclui vídeos com historinhas narradas e acompanhadas por ilustrações, textos informativos, fotos de animais e plantas, sons da floresta, propostas de desenhos e jogos de pergunta e resposta.

Com o material, mesmo quem não enxerga fica sabendo que o boto-cor-de-rosa mede cerca de dois metros e tem uma nadadeira no centro das costas em formato de triângulo ou que o tamanduá bandeira tem uma cauda peluda, um focinho cilíndrico comprido e garras. Descrições do tipo não são encontradas facilmente e são, além de muito divertidas, fundamentais para a construção do conhecimento de quem não vê.

“Nós duas somos muito encantadas com a vida, a biologia. Trazer esse encantamento para as crianças foi nosso objetivo” com o aplicativo, diz Daniela Maiumi Kita, que idealizou o projeto a partir de uma atividade proposta em sala de aula junto com a amiga Mariana Pupo Cassinelli, ambas com 22 anos de idade.

Mariana diz considerar que o ensino de educação ambiental para crianças forma pessoas mais sensíveis ao tema. Ela conta que a acessibilidade era um pré-requisito do projeto desde as primeiras ideias. Antes de optarem por uma abordagem tecnológica para o material, as duas pensaram em produzir um livro em braille. Porém o alto custo envolvido para impressão e distribuição fez com que a opção pelo aplicativo ganhasse força.

Das primeiras conversas até a Iara ficar disponível foram dois anos de trabalho que envolveram a construção de uma rede com 28 apoiadores da iniciativa, sem os quais não seria possível ir tão longe, diz Mariana.

Participaram desde amigos de faculdade até participantes de pesquisa em acessibilidade de outros estados e instituições como  a Unilehu (Universidade Livre para Eficiência Humana) e a Escola Severino Fabriani  para desenvolvimento do conteúdo em Libras. “Conforme as ideias surgiram, fomos vendo que precisávamos de mais ajuda, de programadores, especialistas”, conta.

Daniela ressalta que todas as colaborações foram voluntárias e a dupla não contou com nenhum financiamento para o projeto.
Encontrar pessoas com disposição e tempo para apoiar a iniciativa foi um desafio que exigiu muita pesquisa no Google e em redes sociais: “De cada cem pessoas que entrávamos em contato apresentando o projeto, três topavam participar”, diz Daniela.

Além de gerenciar as atividades de todos os participantes do projeto, elas também ficaram responsável por escrever os roteiros das histórias da heroína Iara, fizeram ilustrações e até se aprofundaram no uso da Libras para aparecerem em parte dos 500 vídeos com a tradução para a língua de sinais. Elas calculam que, sem deixar de dar atenção às demais matérias do curso,  dedicaram metade do tempo disponível para este projeto. Segundo elas, o esforço resultou da percepção de que este era um trabalho com um propósito especial. No final, a percepção é que o contato com tantos especialistas as fez aprender mais do que imaginavam e mudou suas vidas.

Agora o plano de Daniela e Mariana é buscar parcerias com escolas para que o aplicativo seja adotado por professores em sala de aula. As duas também se dizem abertas a sugestões para aperfeiçoamentos e atualizações futuras.

As atividades da Iara podem ser acessadas tanto por computadores como também tablets e smartphones a partir de seu site. Para iniciá-las, é preciso clicar em explorar e selecionar o recurso de acessibilidade desejado.

 

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‘Nem você nem seus colegas sabiam que usávamos estratégias inclusivas’, lembra professora https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/2020/10/14/nem-voce-nem-seus-colegas-sabiam-que-usavamos-estrategias-inclusivas-lembra-professora/ https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/2020/10/14/nem-voce-nem-seus-colegas-sabiam-que-usavamos-estrategias-inclusivas-lembra-professora/#respond Wed, 14 Oct 2020 11:00:03 +0000 https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/files/2020/10/Escola-2-300x215.jpg https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/?p=71 Depois que contei por aqui algumas histórias de meus anos de colégio, onde, apesar da limitação visual, participava de todas as atividades com meus colegas e me sentia realmente incluído, recebi uma longa mensagem da professora de educação física e natação da escola, Sônia Endo, a Soninha. Foi ela que, como contei, interrompeu a brincadeira de salto à distância improvisada pelos meninos logo na minha vez.

Sua resposta ao meu texto mostra uma professora atenta aos detalhes na busca pelo equilíbrio entre garantir segurança, permitir a participação de todos e oferecer novos desafios. Tudo isso acontecia enquanto nós, os alunos, só estávamos preocupados em nos divertir muito, sem saber que tanta coisa ali tinha um propósito claro para ela.

Apesar de a Soninha ter conseguido proporcionar tanta coisa legal, a mensagem foi motivada por ela ter imaginado que, talvez, o que tivesse ficado impresso com mais nitidez na minha memória fosse a única vez em que me lembro de ela ter parado uma atividade para evitar o pior. Por isso, achou que seria o caso de esclarecer melhor as coisas.

Soninha, você tem toda razão, eu iria me estropiar, não fosse sua intervenção.  Na hora de recontar a história, caí na tentação de exagerar um pouquinho minha performance esportiva e disse que daria conta, mas não é verdade. Mas eu era bom naqueles treinos longos de natação, isso você pode confirmar, né? E aquele dia em que eu fiz duas aulas seguidas nadando sem parar?

Lembro de tudo o que está dito abaixo. Não fazia ideia de que tanta coisa era planejada justamente para que eu pudesse participar de tudo.  Afinal, eu estar em campo era o natural, A exceção era quando eu precisava ser parado antes de fazer uma grande bobagem. Obrigado por mais uma lição, que divido aqui com os leitores.

 

 

 

“Excelente texto, Fi.

 

Sobre a lembrança de minha ‘intromissão ‘ na brincadeira dos caixotes, você certamente iria meter a cara no chão!

Desculpe por este evento,  mas espero que você se lembre de algumas estratégias que eu usava nas aulas de natação para que fizesse tudo o que seus colegas faziam, porém com mais segurança e sem se sentir excluído.

Talvez tenha apenas ficado na sua memória que ‘a Soninha me impediu de fazer isso ou aquilo’. Porém eu criava outras estratégias para que vc e seus amigos pudessem realizar as atividades juntos sem perceber que parte do que acontecia era para te ajudar também.

Para não bater a cabeça na borda quando chegasse do outro lado da piscina, contávamos o número de braçadas, trabalhando inclusive a percepção corporal de sempre tentar fazer a braçada com a mesma amplitude para essa estratégia dar certo.

Dentre tantas lembranças que ainda tenho, fazia todos os colegas colocarem papel dentro de seus óculos de natação, como estratégia para que todos tivessem sua visão tapada e pudessem desenvolver estratégias para nadar sem ver nada. Garanto que você e eles nem percebiam que era uma estratégia inclusiva para todos sentirem as diferenças e as “dificuldades” de alguém que tivesse a visão diminuída, e como descobrir formas para vencer desafios nesta nova condição.

Eu nem sempre te podava de fazer as coisas, muito pelo contrário. Algumas vezes, deixávamos que você ‘se ferrasse’  para que buscasse formas e estratégias pessoais para vencer os obstáculos sem interferência. É assim que se aprende a se virar também, não é mesmo?

Nas aulas de quadra, você já foi goleiro algumas vezes no arremesso ou chute de gol a gol. Tomava umas boas boladas na cara e nem se importava com isso, porque seus colegas também tomavam.

Tinha uma brincadeira na piscina, de correr sobre 3 colchões coloridos que flutuavam na superfície da água. Todos corriam e caíam e vocês se divertiam ao mesmo tempo em que trabalhavam equilíbrio e senso de direção, além de vencer desafios que davam um friozinho na barriga.

Fomos ao Nike Park (competição para adolescentes realizada pela empresa de artigos esportivos). você fazia parte de uma equipe de 3 jogadores, lembra? Entrei com você no recinto em que o evento estava acontecendo e era absurdamente escuro, com luzes piscando e música no último volume, o que com certeza dificultava muito as coisas para você. Mas nem você nem seus amigos de equipe se preocuparam, estavam lá para se divertir e não para vencer nada

Seus amigos sempre foram fantásticos. Faziam brincadeiras com você, do tipo que o Bruno faz dizendo que você ‘está cada vez mais feio’. Não era bullying, era carinho, respeito e cuidado. Isso é o que fica para mim, por isso acho que as escolas devem ser sim inclusivas.

Por último, Fi, desculpe pelo texto tão longo. Tenho outras lembranças que dariam para escrever um livro.”

 

 

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Escola inclusiva ensina que há mais semelhanças do que diferenças https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/2020/10/13/escola-inclusiva-ensina-que-ha-mais-semelhancas-do-que-diferencas/ https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/2020/10/13/escola-inclusiva-ensina-que-ha-mais-semelhancas-do-que-diferencas/#respond Tue, 13 Oct 2020 11:10:07 +0000 https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/files/2020/10/Escola-300x215.jpg https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/?p=62 O Bruno é um dos meus melhores e mais antigos amigos, daqueles que se tem uma história compartilhada. A gente se conheceu quando eu tinha oito anos e passei a estudar no Colégio Friburgo. Frequentava a casa dele e conhecíamos a família um do outro. A intimidade e o carinho são tão grandes que, sempre que nos encontramos, ele me dá um abraço e diz: “Continua ficando cada dia mais feio”!

Muitos anos depois de nos formarmos na escola e na faculdade, fomos comer empanadas perto de casa. Ele me contava de seu curso de pós-graduação. Em uma conversa que teve por lá, o assunto foi parar na inclusão de pessoas com deficiência na escola. E, me contava o Bruno, ele não se lembrou que teria muito a dizer sobre o assunto, por ter convivido tanto tempo comigo. Só mais tarde se deu conta que, vejam só, ele teve um amiguinho com deficiência na mesma classe por dez anos.

Nunca foi segredo na escola que eu tinha uma limitação visual. Na terceira série, quando fui para Cuba fazer um tratamento alternativo para os olhos e operei a retina, todo mundo sabia o motivo de eu ter faltado algumas semanas. Meus amigos entendiam que eu precisava sentar na primeira fila, não era bom no futebol e minha visão era praticamente zero de noite ou no teatro, onde o ambiente era mais escuro, por causa de uma doença nos olhos.

Algumas histórias minhas relacionadas a não enxergar bem eram conhecidas e repetidas entre os colegas, como meu hábito de pisar em todas as poças d’água nos dias de chuva, molhando a todos ou a vez em que, na saída de um passeio no shopping, abri a porta do carro errado pensando que fosse o do meu pai e fiz a motorista gritar assustada, achando que fosse um assalto.

No último ano do colegial, a turma foi para Bariloche. Sem ninguém precisar combinar nada, a cada momento um colega vinha para me guiar pelas ruas das cidades, pelas pistas de dança ou pelas montanhas cheias de neve. Comecei a prestar atenção nesse troca-troca e percebi que, ao final daqueles dias, todos da turma haviam me conduzido em alguma situação. Agradeci a todos por isso quando nosso professor de filosofia, o Emílio, ligou uma câmera e pediu que cada um lembrasse do fato mais marcante nos tempos de colégio.

Fiquei pensando, como é possível, então, que o Bruno não tenha notado nada em meio há tantos sinais de que vivíamos uma experiência progressista de inclusão, que agora entrou em debate após edição de um decreto com a nova Política Nacional de Educação Especial.

 

Meu palpite é que ninguém avisou, nem a mim e nem ao Bruno, que eu era tão diferente assim. Ou o que explica o susto que a Soninha tomou quando viu que eu seria o próximo da fila na brincadeira dos meninos, não autorizada, de enfileirar vários caixotes para um salto à distância, com um bom risco de cair de cara no chão? Uma pena, eu até hoje penso que iria conseguir passar pelos obstáculos, caso ela não desmanchasse a diversão.

Se a escola tivesse ensinado a mim e a meus amigos que eu era uma pessoa com deficiência que precisava ser protegida para não sofrer nenhum arranhão, será que eu teria saltado num lago de uma plataforma a cinco metros de altura em nossa viagem para Bonito? Teria feito tantas trilhas lá na Serra do Japi? Será que iria participar da brincadeira do montinho, quando derrubávamos uma pessoa no chão e todos iam se deitando por cima sem delicadeza alguma? Teria tomado um porre numa balada em Bariloche que fez o Alessandro ter de me levar abraçado para que eu não caísse até a Vera, professora de química, enquanto eu sofria com um ataque de riso que parece ter durado horas?

Tenho a impressão de que, na virada dos anos 1990 para os anos 2000, não se falava muito em inclusão. Ao menos eu não conhecia a palavra. Mas, no meu caso, ela aconteceu tão bem que nem percebemos o quanto todos aprenderam. Tenho certeza de que quem esteve comigo no Friburgo jamais vai pensar que ter uma dificuldade visual faz a pessoa ser muito diferente. Sabem que quem enxerga pouco é igualzinho aos outros e faz de tudo. Pode até ser o melhor da classe em história (posição que eu dividia com o Bruno) e em português. A única coisa é que de vez em quando precisa de uma mão para encontrar o caminho.

Os anos que passei no colégio foram os melhores da minha vida, eu era muito feliz ali e sabia. Mas a história poderia ter sido outra. Logo após meu diagnóstico, houve uma conversa de meus pais com a direção da escola sobre a conveniência de me transferirem para uma instituição especial para cegos. Pelo que me contaram, a conversa terminou com a diretora dizendo que eu só sairia de lá formado.

A bem da verdade, não fui um aluno que trouxesse muitas dificuldades para meus professores. Minha visão diminuiu mais devagar do que o previsto e não precisei aprender braille naquela época, o que simplificou as coisas para a escola, já que eu usava o mesmo material que todos os colegas. Mas a determinação do colégio de me aceitar ali, não importando o que acontecesse, é muito diferente de histórias que conheço de pessoas cegas próximas a mim que tiveram matrículas rejeitadas naquela época porque, diziam as escolas, faltariam ali recursos adequados para atender bem o “aluno especial”.

Por outro lado, só passei a conviver com alguém com deficiência visual anos mais tarde, quando estava terminando a faculdade. Penso que teria sido legal ter amigos para jogar futebol de olhos vendados ou disputar um torneio de xadrez no escuro, coisas que ainda não fiz. Todos têm muito a aprender vivenciando a diversidade, inclusive eu.

Se os adultos deixarem de lado os preconceitos e fornecerem as condições adequadas, sejam elas material em braille, intérpretes de Libras ou caminhos acessíveis e professores dispostos a buscar melhores formas de ensinar, as crianças cuidarão de brincar e aprender umas com as outras.

 

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