Haja Vista https://hajavista.blogfolha.uol.com.br Histórias de um repórter com baixa visão Tue, 07 Dec 2021 17:23:21 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Fundação Dorina Nowill busca doações para compra de alimentos na pandemia https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/2021/04/02/fundacao-dorina-nowill-busca-doacoes-para-compra-de-alimentos-na-pandemia/ https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/2021/04/02/fundacao-dorina-nowill-busca-doacoes-para-compra-de-alimentos-na-pandemia/#respond Fri, 02 Apr 2021 13:00:44 +0000 https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/files/2021/04/Fachada-Fundação-Dorina-Nowill-300x215.jpg https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/?p=224 A Fundação Dorina Nowill para Cegos, entidade que atua na inclusão de pessoas com deficiência visual, está realizando uma campanha de arrecadação para ajudar famílias atendidas e que passam por momento de vulnerabilidade por causa da pandemia.

Os valores arrecadados serão convertidos em cartões para compra de alimentos.

As transferências podem ser feitas por Pix, usando a chave pix@fundacaodorina.org.br ou a partir do site da campanha, que oferece as opções de pagamento via cartão de crédito ou débito em conta..

 

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Com um ano de pandemia, sensação é de que tudo parou e nada será como antes https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/2021/03/07/com-um-ano-de-pandemia-sensacao-e-de-que-tudo-parou-e-nada-sera-como-antes/ https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/2021/03/07/com-um-ano-de-pandemia-sensacao-e-de-que-tudo-parou-e-nada-sera-como-antes/#respond Sun, 07 Mar 2021 16:20:50 +0000 https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/files/2020/10/Homem-com-bengala-300x215.jpg https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/?p=201 Apesar da entrada estreita, achar o restaurante do toldinho perto do jornal é fácil. O barulho dos talheres, das conversas e da Ana espremendo frutas para fazer sucos há um metro da porta me indica a hora de virar à direita.

Mesmo assim, por vezes estou distraído e dou um passo a mais. Não faz mal. O Maurício, dono do restaurante, costuma estar por perto da porta. Assim que me vê, já vem colocando a mão no meu ombro e me trazendo para dentro, para garantir que eu não me perca e vá parar no restaurante da concorrência. “A situação está feia, então a gente precisa pegar o cliente no laço”, brinca.

Funciona. Como não sou capaz de desapontar uma recepção tão calorosa para dizer que vou provar outros temperos, fico por lá mesmo. Tentar outro caminho para chegar ao restaurante que fica a uns dez metros dali no mesmo quarteirão me faria ter de enfrentar uma travessia de rua muito mais difícil e, como não se resolve o problema de existirem pessoas que escolhem o caminho dependendo da via que conseguem atravessar vivos, tenho de passar pela arapuca do Maurício todos os dias.

E devo dizer que sou bem tratado, a ponto de gerar inveja dos colegas de trabalho. É que, na hora do cafézinho, o meu é o único que já vem adoçado para a mesa. Nunca pedi esse mimo  e nem teria dificuldades de rasgar o pacotinho e misturar a bebida, mas encaro mais o gesto como um pouco de carinho do que qualquer indicação de dúvida em relação a minha capacidade de manejar uma xícara e um palitinho sem fazer confusão.

Esta semana faz um ano que não almoço por lá. É uma entre as tantas coisas que mudaram desde que, de um dia para o outro, milhões de pessoas passaram a trabalhar em casa sem tempo para se despedir da vida que deixavam para trás. Na verdade, ninguém nem pensou que fosse preciso dizer adeus. Levou alguns meses até entendermos e aceitarmos que a pandemia não era coisa de uns poucos dias.

estou a um ano sem passar por colegas apressados na ampla Redação do jornal que me cumprimentavam sem desacelerar o passo e, quando, minha mente conseguia processar a voz e entender quem era, já estava há dois metros de distância.

Logo serão 365 dias sem ser o primeiro a chegar em uma confraternização da firma e o último a sair, às vezes com o sol já começando a brilhar no horizonte. Como se fosse pouco, nesse período não encontrei pessoalmente ninguém com quem eu trabalho, não conversei , fora trocas de mensagens rápidas e objetivas, com a maioria das pessoas que eu encontrava todos os dias.

Claro que penso que muitos estariam dispostos a um diálogo. Mas dizer o quê? que estamos cansados, perplexos com o rumo das coisas e sem saber quando isso tudo acaba? Que estamos repetindo a mesma rotina todos os dias e levando tudo como dá? Mas aí só restaria concordar e fim de papo.

Onde estará o seu Osvaldo, manobrista do jornal e que, várias vezes por semana, embarcava comigo no ônibus que nos levava até a estação Santa Cecília? Nunca mais recebi aqueles seus guardanapos em que ele anotava o nome de violonistas ou conjuntos de música cristã que ele gostava para que eu pedisse para alguém ler para mim em casa e buscar vídeos na internet. Quando havia tempo, ele me colocava dentro da guarita, de dava um fone de ouvido para escutar um hino de sua igreja ou uma música cantada pelo Andrea Bocceli sentado em sua cadeira, enquanto esperávamos a hora da condução.

Sua capacidade de falar por longo tempo sobre música virou  lenda  entre quem me viu ao lado dele. Descrevia nuances de sonoridade de diferentes tipos de cordas de violão, com preferência pelas de aço com som mais para o folk. Costumava me lembrar sempre, enquanto eu caminhava segurando em seu cotovelo, que, com sete notas, Dó, Ré, Mi, Fá, sol, Lá, e Sí, era possível expressar qualquer sentimento.

Já faz um ano que não entro no Metrô e, ao chegar na Santa Cecília, converso com o jovem aprendiz que me ajuda a atravessar a rua enquanto fala sobre seus planos de entrar na faculdade para se tornar delegado. É tanto tempo que até nem consigo mais lembrar seu nome. Quantas pessoas anônimas que diariamente vinham me oferecer um braço para mostrar o caminho deixei de encontrar desde março do ano passado?

Certamente eu fui dos que menos sofreram nesta história toda. Tenho de me confessar privilegiado por estudar música, e, como leitores sabem estar em um momento particularmente intenso de descobertas envolvendo musicografia braille, o que me preenche qualquer possibilidade de uma hora vazia e me faz o tempo que sobra por estar em home office serem muito bem aproveitadas. Como dizia o ex-senador e jornalista Artur da Távola (1936-2008) no programa “Quem Tem Medo de Música Clássica”, que via na adolescência,  “Música é Vida Inteirior e, quem tem vida interior jamais padecerá de solidão”. Mesmo assim, não é nada fácil.

Rupturas são comuns na vida de todos. Caso não houvesse pandemia, quem sabe se eu não teria mudado de trabalho e deixado tudo isso para trás? Mas aí sentiria saudades de uma forma muito mais leve. A diferença é que saberia que a vida segue seu rumo naturalmente para os que deixei de encontrar. Não é o caso. A pandemia cria a impressão ambígua de que está tudo congelado no passado esperando para voltar, de um lado, e a certeza de que nada será como antes.

Não sei se, quando as coisas melhorarem, ainda  existirá restaurante do toldinho, se o seu Osvaldo terá carros para estacionar, se o rapaz ainda terá perspectiva e ânimo para entrar na faculdade. Resta desejar vacina e um novo começo para todos que tanto me ajudaram com seus pequenos gestos e tornaram meus dias melhores.

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Trabalho de casa pode ser cômodo, mas amplia barreiras de acessibilidade https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/2020/09/30/trabalho-de-casa-pode-ser-comodo-mas-amplia-barreiras-de-acessibilidade/ https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/2020/09/30/trabalho-de-casa-pode-ser-comodo-mas-amplia-barreiras-de-acessibilidade/#respond Wed, 30 Sep 2020 14:00:07 +0000 https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/files/2020/09/1Mb-300x215.jpg https://hajavista.blogfolha.uol.com.br/?p=32 Trabalhar de casa na pandemia significou para mim não encontrar mais pedras, buracos, degraus, rua para atravessar sem sinalização sonora, piso tátil mal instalado, lixeira e orelhão no meio do caminho até o trabalho.

Além de terem sumido todos os roxinhos que costumo carregar nas canelas e nos braços, não é nada mal  ganhar um par de horas por dia para tocar outros projetos em vez de repetir todas as manhãs e noites a mesma baldeação para a Linha Vermelha na estação da Sé.

Mesmo com essas vantagens, ainda não me decidi se esse novo normal está mais para o paraíso, a liberdade ou a consolação.

Acontece que Redação de jornal é uma delícia de aglomeração. O espaço de trabalho não tem paredes  e muitos colegas estão sempre por perto em seus computadores. Só a alegria de encontrar tanta gente inteligente e talentosa de segunda a sexta seria o suficiente para dar saudades. Mas, além disso, há outros desafios em trabalhar sozinho sem enxergar.

No jornal, não são nem uma nem duas vezes por dia que eu me levanto e vou de mesa em mesa perguntando quem está livre. É que, lidando com informação que vem de todos os lados e em formatos variados, é inevitável a um jornalista que enxerga pouco precisar de um olho amigo para ver uma foto ou checar uma infografia.

Quando apresentei a Luciana na semana passada, expliquei que os textos que aparecem na tela de um computador são falados por uma voz artificial. Esses softwares são chamados leitores de tela. Mas o que acontece se a informação só está disponível em um gráfico ou uma foto? Aí temos um problema de acessibilidade e vou precisar pedir socorro para que a notícia chegue direito ao leitor.

No começo da quarentena, a família estava toda em casa, sem muito o que fazer. Dava pra pedir pra minha mãe ler um projeto de lei sobre licenciamento de empresas que havia sido fotografado e meu sistema não reconhecia as letras ou olhar uma apresentação sobre expectativas para ampliação de vendas no delivery durante a pandemia numa boa. Mas agora em que todos saem para outros compromissos  e fico só eu em casa, como faz?

São duas soluções possíveis: a primeira é Trocar o que antes seria um cutucão no ombro por uma mensagem no WhatsApp para encontrar algum colega que possa socorrer. Apesar de ajudar a manter vivo o contato diário, não é tão rápido quanto antes e fica mais difícil saber quem tem um minutinho naquele exato momento. Outra alternativa é voltar à fonte. Ou seja, telefonar para quem fez o belo PowerPoint que eu não consigo ler e explicar que o repórter é cego e será preciso achar um outro jeito de enviar os dados. Descrever os gráficos ao telefone pode funcionar se a correria for muita.

E o que fazer quando, para realizar uma pesquisa em um site, é preciso decifrar uma série de letrinhas embaralhadas, os temidos captchas? Ou quando a fonte com quem eu preciso falar com urgência enviou o número de celular em um email no qual está uma foto de seu cartão de visitas? E quando preciso fazer uma legenda e a única pessoa em casa é meu irmão, que está dormindo? Essa é fácil, acordo ele pelo bem da notícia, que justifica enfrentar qualquer bronca que vou levar depois, com toda a razão.

Talvez colocando tudo na balança, o conforto de poder entrevistar o presidente de uma empresa calçando meia e chinelo seja compensado pelo maior trabalho que vai dar para ler o balanço da companhia para me preparar para o papo. Na quarentena, as barreiras diárias que a pessoa com deficiência tem de saltar deixam de estar nas calçadas e passam para dentro de seu quarto. Mas, com todos ajudando, mesmo que de longe, vai dar tudo certo.

Com seus novos desafios, a quarentena também incentivou a descoberta de novas possibilidades.

Minha amiga Marcela Mahayana, que é cantora e professora de música, ficou frustrada quando todos os seus alunos, que recebia em casa, suspenderam as aulas por causa da pandemia.

Seis meses depois, nomes como Hangout, Google Meet,  Microsoft Teams, Skype, Zoom e FaceTime são familiares para ela, que explica com desenvoltura as vantagens de cada plataforma. Ela própria cria as reuniões online na hora das aulas e chama seus alunos.

Por que não fazia isso antes da pandemia?  Em boa medida, por não saber como faria para acertar a posição da câmera sem enxergar. Agora ela já tem a solução: coloca o celular na estante para apoio de partituras de seu piano e pergunta para o aluno se ele a enxerga bem e vai ajustando o foco até estar tudo pronto para começar a cantoria.

Depois que pegou o jeito, Marcela atende oito alunos pelo celular. Ainda não conhece pessoalmente a maior parte deles, que chegaram até ela por outro aplicativo que ela domina bem, o GetNinjas. Também se reúne via internet com participantes de um coral dos Trovadores Urbanos, em que trabalha como assistente.

Ela me conta que gosta mais das aulas presenciais e tem saudades de receber os alunos, mas precisa manter o cuidado pelo seu bem e de sua família. Também já tomou a decisão de que, quando as coisas melhorarem, as atividades à distância vão continuar ocupando parte de sua agenda. Assim ela consegue atender alunos que moram mais longe e diminuem as chances de alguém faltar por causa do trânsito.

 

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