‘Nem você nem seus colegas sabiam que usávamos estratégias inclusivas’, lembra professora
Depois que contei por aqui algumas histórias de meus anos de colégio, onde, apesar da limitação visual, participava de todas as atividades com meus colegas e me sentia realmente incluído, recebi uma longa mensagem da professora de educação física e natação da escola, Sônia Endo, a Soninha. Foi ela que, como contei, interrompeu a brincadeira de salto à distância improvisada pelos meninos logo na minha vez.
Sua resposta ao meu texto mostra uma professora atenta aos detalhes na busca pelo equilíbrio entre garantir segurança, permitir a participação de todos e oferecer novos desafios. Tudo isso acontecia enquanto nós, os alunos, só estávamos preocupados em nos divertir muito, sem saber que tanta coisa ali tinha um propósito claro para ela.
Apesar de a Soninha ter conseguido proporcionar tanta coisa legal, a mensagem foi motivada por ela ter imaginado que, talvez, o que tivesse ficado impresso com mais nitidez na minha memória fosse a única vez em que me lembro de ela ter parado uma atividade para evitar o pior. Por isso, achou que seria o caso de esclarecer melhor as coisas.
Soninha, você tem toda razão, eu iria me estropiar, não fosse sua intervenção. Na hora de recontar a história, caí na tentação de exagerar um pouquinho minha performance esportiva e disse que daria conta, mas não é verdade. Mas eu era bom naqueles treinos longos de natação, isso você pode confirmar, né? E aquele dia em que eu fiz duas aulas seguidas nadando sem parar?
Lembro de tudo o que está dito abaixo. Não fazia ideia de que tanta coisa era planejada justamente para que eu pudesse participar de tudo. Afinal, eu estar em campo era o natural, A exceção era quando eu precisava ser parado antes de fazer uma grande bobagem. Obrigado por mais uma lição, que divido aqui com os leitores.
“Excelente texto, Fi.
Sobre a lembrança de minha ‘intromissão ‘ na brincadeira dos caixotes, você certamente iria meter a cara no chão!
Desculpe por este evento, mas espero que você se lembre de algumas estratégias que eu usava nas aulas de natação para que fizesse tudo o que seus colegas faziam, porém com mais segurança e sem se sentir excluído.
Talvez tenha apenas ficado na sua memória que ‘a Soninha me impediu de fazer isso ou aquilo’. Porém eu criava outras estratégias para que vc e seus amigos pudessem realizar as atividades juntos sem perceber que parte do que acontecia era para te ajudar também.
Para não bater a cabeça na borda quando chegasse do outro lado da piscina, contávamos o número de braçadas, trabalhando inclusive a percepção corporal de sempre tentar fazer a braçada com a mesma amplitude para essa estratégia dar certo.
Dentre tantas lembranças que ainda tenho, fazia todos os colegas colocarem papel dentro de seus óculos de natação, como estratégia para que todos tivessem sua visão tapada e pudessem desenvolver estratégias para nadar sem ver nada. Garanto que você e eles nem percebiam que era uma estratégia inclusiva para todos sentirem as diferenças e as “dificuldades” de alguém que tivesse a visão diminuída, e como descobrir formas para vencer desafios nesta nova condição.
Eu nem sempre te podava de fazer as coisas, muito pelo contrário. Algumas vezes, deixávamos que você ‘se ferrasse’ para que buscasse formas e estratégias pessoais para vencer os obstáculos sem interferência. É assim que se aprende a se virar também, não é mesmo?
Nas aulas de quadra, você já foi goleiro algumas vezes no arremesso ou chute de gol a gol. Tomava umas boas boladas na cara e nem se importava com isso, porque seus colegas também tomavam.
Tinha uma brincadeira na piscina, de correr sobre 3 colchões coloridos que flutuavam na superfície da água. Todos corriam e caíam e vocês se divertiam ao mesmo tempo em que trabalhavam equilíbrio e senso de direção, além de vencer desafios que davam um friozinho na barriga.
Fomos ao Nike Park (competição para adolescentes realizada pela empresa de artigos esportivos). você fazia parte de uma equipe de 3 jogadores, lembra? Entrei com você no recinto em que o evento estava acontecendo e era absurdamente escuro, com luzes piscando e música no último volume, o que com certeza dificultava muito as coisas para você. Mas nem você nem seus amigos de equipe se preocuparam, estavam lá para se divertir e não para vencer nada
Seus amigos sempre foram fantásticos. Faziam brincadeiras com você, do tipo que o Bruno faz dizendo que você ‘está cada vez mais feio’. Não era bullying, era carinho, respeito e cuidado. Isso é o que fica para mim, por isso acho que as escolas devem ser sim inclusivas.
Por último, Fi, desculpe pelo texto tão longo. Tenho outras lembranças que dariam para escrever um livro.”