Aplicativo da Microsoft funciona como bússola sonora para indicar o caminho

Conforme minha visão foi diminuindo e enxergar o nome das ruas e, depois, as próprias placas se tornou impossível, me perder na hora de experimentar um caminho novo virou da rotina.

Foi para ter um aplicativo de GPS, e não para conversar pelo WhatsApp, que abri mão do velho celular com teclado e finalmente passei a usar um smartphone. Isso depois de uma temporada de um mês em Boston na qual eu treinei muito a conversação com estrangeiros, porque não acertava o caminho da escola de inglês para a qual eu ia todos os dias sem pedir ajuda a quem aparecesse pela frente. Algumas vezes entrei em carros de desconhecidos que se ofereceram para me levar ao meu destino depois de me verem ir e vir pela mesma rua rem rumo aparente.

A ferramenta mais usada é bem conhecida dos videntes (a gente chama assim quem enxerga, mesmo que não saiba ler o futuro), o Google Maps. Apesar de não ser feito para cegos, ele dá uma boa ajuda ao dizer quando chegou a hora de fazer uma curva para a direita ou para a esquerda. Porém meu senso de direção não me ajuda a saber como reagir quando ele diz algo como “siga na direção noroeste na Alameda Barão de Limeira”.

Na hora em que o aplicativo diz que cheguei ao meu destino, significa que preciso apurar os sentidos para descobrir onde fica de fato a entrada ou pedir ajuda para quem estiver na calçada, pois não é raro ainda estar a uns 10 metros de distância de onde quero ir.

Nesta semana, a Microsoft lança no Brasil para usuários do sistema iOS (dos aparelhos da Apple) um serviço que traz uma proposta diferente para dar as coordenadas para quem não vê. O sistema, chamado Soundscape, propõe tornar o celular uma espécie de bússola auditiva para cegos. Com isso, traz boas ideias para resolver algumas das limitações das ferramentas tradicionais.

No app, o usuário define onde quer chegar e coloca ali um sinalizador sonoro virtual. Iniciada a caminhada, ele recebe a instrução sobre qual direção seguir por meio de 3 padrões diferentes de bipes: um grave e espaçado, um médio e com mais batidas e um agudo e acelerado. Esses barulhinhos funcionam como um “tá quente, tá frio” para mostrar qual direção se deve seguir conforme se aponta o aparelho para frente ou para algum lado.

Para ter a experiência completa, a recomendação é colocar fones. Isso porque o som vai pulando de um ouvido ao outro para mostrar o lado para o qual se deve caminhar.

Apesar de o som tridimensional ser atraente, não estou convencido de que seja uma boa andar na rua com fones. É que som nas duas orelhas me causa certa desorientação. Se eu tentar ouvir música enquanto tomo café da manhã, é bem possível que coloque manteiga no leite e açúcar no pão. Confirmei que ouvir e andar ao mesmo tempo não é simples com uma amiga cega que se perde no corredor de casa se usa seu MP3 player. Mesmo assim, fui testar a novidade.

Na hora de escolher o lado para dar o primeiro passo, o estímulo auditivo é mais útil do que ter informações sobre os pontos cardeais. Mas seguir o som do destino tem limitações. Saber que o supermercado está na sua frente há 200 metros não resolve tudo se isso, interpretado literalmente, significa passar por cima de uma casa e uma escola para se chegar lá. Traçar a melhor rota, então, fica sob responsabilidade do usuário, o que pode ser vantagem ou uma desvantagem, dependendo da necessidade.

Enquanto caminhava, o aplicativo ia avisando o nome das ruas que eu atravessava e alertava sobre faixas de pedestre em distância segura. Não será mais um problema não ler as placas e agora vou aprender direito como se chamam as vias do bairro,  finalmente.

O bipe do aplicativo, que segue firme o tempo todo, mesmo em uma caminhada de quilômetros,começou a ficar desconfortável e deixar de escutar o som dos carros e da bengala no chão com a nitidez usual me fez falta e cometi pequenos deslizes que não são comuns, como ficar próximo demais da borda da calçada. A opção de deixar o sistema mudo é fácil de achar, ainda bem. Fiz a maior parte da caminhada sem ele e só liguei novamente quando estava há 50 metros dos destinos que fui escolhendo.

O aplicativo foi bem ao indicar o momento de virar e procurar a porta do chaveiro, da agência do banco e da padaria com bastante precisão. Por outro lado, errei na hora de entrar na estação de metrô Praça da Árvore e a confundi com uma galeria que fica a poucos passos dali. O aplicativo também me fez pensar que a porta da igreja foss antes do lugar correto.

A função que mais me interessou foi a de criar meus próprios pontos de referência. Isso poderia ser ótimo em locais onde os GPS tradicionais não funcionam, por não haver lá ruas para as quais eles possam nos mandar virar. Já me coloquei a imaginar como seria legal se eu pudesse ir gravando meus próprios trajetos, marcando cada passo com pedacinhos de pães virtuais, tal como na história de João e Maria. Se eu quisesse ir sozinho no cinema, por exemplo, poderia deixar um pouquinho de miolo em cada parte do caminho até lá: um na entrada do shopping, outro na escada rolante, mais um na bilheteria.

A ideia é excelente, mas é melhor esperar a precisão do sistema aumentar. Tentei marcar um carro no estacionamento do Parque do Ibirapuera para ver se o aplicativo me levaria para ele corretamente na hora de ir embora.  Fosse eu seguir o bipe, tentaria encontrá-lo no meio das árvores. Da mesma forma, no shopping, passei em frente à cafeteria que havia sinalizado para trás e fui parar numa loja de sapatos do outro lado do corredor.

Segundo a Microsoft, a precisão da indicação do Soundscape pode variar de acordo com a regiáo, pois ela depende da quantidade de antenas nas proximidades e do equipamento do usuário. Conforme a infraestrutura e os chips evoluem, a tendência é que a tecnologia se torne cada vez melhor.

Os novos recursos podem ser bastante úteis, mas não acredite que a vida ficou fácil por causa deles. Andar na rua continuará um grande desafio enquanto a acessibilidade não avança e as vias se tornam mais convidativas e seguras. Uma ferramenta que me leve passo por passo até o destino ainda está mais para filme de fantasia ou ficção científica, mas combinando preparo, teimosia, orientações do smartphone e auxílio dos outros pedestres, dá para se chegar em qualquer lugar.