Inclusão de pessoas com deficiência precisa de menos aplauso e mais conhecimento
Você já ganhou parabéns por ter digitado sua senha na maquininha de cartão de crédito corretamente? Foi elogiado pelos vizinhos por conseguir dar uma volta no quarteirão? Foi encarado com admiração por ter um emprego? Foi chamado de exemplo de vida por ser alegre?
Há pouco tempo fui fazer óculos novos. Minha mãe me acompanhou. A vendedora era muito talentosa. Nos convenceu de que seria imprescindível eu ter a melhor armação, que jamais entorta, mesmo dando cabeçada em muita árvore. Também garantiu que faria toda a diferença comprar uma lente importada, que ajudaria a filtrar a luz do computador e manteria minha visão residual protegida para durar mais tempo.
Resignado, entreguei meu cartão de crédito para que a compra fosse parcelada em muitas vezes. A loja toda ficou surpresa com a informação de que seria eu, e não minha mãe, a pagar a conta salgada. Quando explicamos que eu trabalhava, era jornalista, virei uma celebridade instantânea e fui cumprimentado por todos.
Ganhar aplausos por coisas que deveriam ser simples faz parte da rotina de quem tem uma deficiência. Tenho um fraco pelo som de palmas. Sempre me deixam emocionado quando aparecem no meio de um filme, especialmente quando celebram uma conquista obtida após muito esforço. Mas, antes de ficar me achando o tal pelas que recebo, preciso admitir que está havendo uma boa dose de exagero.
É verdade que encarar muitas das atividades da minha vida tendo uma deficiência visual severa é mais difícil do que enxergando normalmente. Mas a outra opção, que seria nem tentar, me parece muito mais triste. Então abro a bengala e vou atrás do que quero e acredito que posso. Tendo os recursos e a preparação adequada, na maior parte das vezes dá certo, só isso.
A surpresa que muitos revelam ao descobrir que é possível que cegos façam atividades básicas do dia a dia mostra que, até aquele momento, eles não haviam pensado que fosse possível usar o computador, ler um livro, enviar uma mensagem de texto, andar de metrô ou viajar sem enxergar. Imaginam a deficiência visual como condenação a dependência absoluta dos outros, à falta de lazer, informação, estudos, carreiras, relacionamentos. O que sobra, eu não sei.
A causa, penso, é a falta de convivência. Como nunca estiveram com alguém que não enxerga, ao se imaginar no escuro, a maioria das pessoas têm a sensação de que fazer qualquer coisa seria impossível. Por isso, no íntimo, acredito que sair às ruas e mostrar a quantos for possível que dá para ter uma vida plena, mesmo enxergando muito pouco, é uma espécie de missão. Já me peguei calculando que, a cada dia que vou ao trabalho, devo chamar a atenção de umas dez pessoas para o fato de que tem gente com deficiência visual batendo perna sozinho por aí, e não é para ir ao hospital. Multiplique-se isso por algumas dezenas de anos e talvez eu tenha feito o mundo um tiquinho melhor no final da história.
A consequência de muitos pensarem que somos um grupo que não sai de casa, consome, estuda e nem trabalha, é que nossos direitos e oportunidades estão limitados pelas baixas expectativas que os outros têm e que precisamos lutar para contrariar todos os dias.
Em um domingo almoçava com uma amiga cega. Simpática, a dona do restaurante veio conversar com a gente. Ficou surpresa ao saber que havíamos nos conhecido na faculdade de música. Perguntou se foi em uma escola especial para pessoas como nós.
Apesar do estranhamento provocado pela pergunta, o papo continuou alegre. Explicamos que não, a faculdade era a mesma de todo mundo. Mas fiquei pensando, se empresários ainda não sabem que cegos podem ter um diploma comum, estamos em uma boa desvantagem na hora de termos nosso currículo escolhido,. Como ter uma chance em um mundo tão competitivo quando tão pouco é esperado de nós e cada coisa mínima que fazemos parece a subida do Everest?
Eu preferiria que as avenidas tivessem semáforos sonoros que me permitissem ir de um lado ao outro com segurança a ser visto como um herói a cada vez que as atravesso ouvindo o motor dos carros para descobrir quando é minha vez. Seria muito melhor se as calçadas fossem adequadas para o caminhar, em vez de ter de impressionar os demais pedestres desviando de buracos e descendo degraus perigosos.
Por outro lado, entendo que seja uma surpresa alegre para os demais descobrirem capacidades que ainda não tinham imaginado nas pessoas com deficiência. Por isso, acho que algum exibicionismo do bem ainda é necessário, A cada vez que um motorista de aplicativo fica espantado ao saber que fui eu quem chamei o carro e enviei uma mensagem explicando que iria esperá-lo segurando uma bengala, faço questão de, pacientemente, mostrar como é possível usar um celular com leitor de tela e o deixo ainda mais curioso ao perceber a alta velocidade com a qual as informações são lidas para mim.
Aceito as palmas com humildade, sabendo que são passageiras e daqui a pouco, quando nossa sociedade for mais informada e inclusiva, seu ruído cessará. Enquanto isso, prometo me esforçar para não ficar convencido demais.