Limitação visual é o menor dos desafios, diz autora de livro sobre maternidade e deficiência
Nascida em junho, Natália, filha da jornalista Mariana Baierle, é uma das meninas mais asseadas do mundo.
Com baixa visão e casada com Rafael Martins dos Santos, que também tem deficiência visual, Mariana aprendeu com uma cunhada médica como deixar a nenê sempre limpinha. Como a mãe não pode enxergar onde a filha está sujinha na hora de trocar a fralda, o jeito é considerar que ela precisa sempre de uma limpeza completa.
Mariana gasta mais lenço umedecido do que as outras mães, mas resolve a tarefa com facilidade, conta ela, que teve sua primeira filha durante a pandemia da Covid-19.
A história de Natália até seus primeiros meses será contada no livro “Maternidade e Deficiência Visual — Do Sonho ao Nascimento de Natália”, que a jornalista está divulgando a partir de uma campanha de financiamento coletivo.
Mariana narra em seu livro desde o período de sua preparação para ter o bebê, passando pela dificuldade que teve para engravidar e vai até os desafios para lidar com as restrições impostas pelo distanciamento social nos últimos meses de gestação.
Há passagens que só quem tem deficiência visual poderia viver, como a necessidade de achar amigas para ir junto ao banheiro e ler o resultado do testes de gravidez, que depende da visão para ser interpretadoconta.
Segundo Mariana, a inspiração para contar sua história veio de uma leitura, do livro Maria de Rodas” Grupo Editorial Scortecci), em que cinco autoras cadeirantes dividem suas experiências com seus filhos.
Organizadora de duas edições do livro “Histórias de Baixa Visão” (Editora CRV), em que 23 pessoas com deficiência visual (incluindo o autor deste blog) contam histórias tendo a limitação na visão como pano de fundo, Mariana diz sentir falta de textos que tratem da maternidade para pessoas com alguma limitação visual.
O tema merece discussão, segundo ela, tanto para encorajar outras mulheres com deficiência, como também para que sejam enfrentados estigmas e preconceitos.
“A gente que tem deficiência visual vive em dois mundos paralelos. Um que eu chamo de ‘cegolândia’, em que ficam outras pessoas que não enxergam, e o restante da sociedade. Enquanto nosso grupo entende que é normal ter deficiência e um filho, os demais nos veem com desconfiança”, afirma.
O desconhecimento apareceu principalmente por meio de perguntas desagradáveis já na época da gravidez. Era frequente quererem saber como ela iria se virar, se seu marido enxergava e outros questionamentos incômodos que, em sua opinião, não seriam feitos caso ela não tivesse uma deficiência.
“Era cansativo ter que ficar explicando que iríamos conseguir criar nossa filha e, em alguns casos, até que a pessoa com deficiência pode ter um marido. Temos que ficar nos afirmando o tempo todo”
Para Mariana, a deficiência visual era uma questão menor quando pensava sobre os desafios que teria com a maternidade.
“Fazer adaptações para o cotidiano não é novidade para mim e já pensava nas que teria de fazer quando fosse mãe. Mas preparar alguém para a vida é muito mais difícil do que ter deficiência visual. Você precisa passar valores,. Quero que ela lute por um mundo melhor do que o que temos hoje.”
A jornalista diz que sua filha é muito comunicativa, faz barulhos o tempo todo para chamar sua atenção. “Ela sabe os pais que tem, sabe que não adianta ficar apontando o dedo para o que quer e fazer careta”, diz.
Mariana é autora do blog Três Gotinhas, de crônicas e notícias que tratam de sua experiência com a deficiência visual. O nome da página veio de seu gosto de café com adoçantes. Porém as poucas gotas ficam só no título. Enxergando pouco, ficou impossível não derramar mais do que o necessário e agora ela prefere tomar a bebida pura mesmo.