Ausência de atenção do mercado leva falta de acessibilidade para casa da pessoa com deficiência
A falta de acessibilidade tende a ser vista como um problema que está do lado de fora de casa, na calçada mal cuidada, no restaurante sem cardápio em braille, no cinema que não oferece audiodescrição.
Na verdade, nem é preciso levantar do sofá para perceber como coisas simples, como escolher o canal na televisão, podem representar tarefas ingratas.
Uma visita à cozinha deixa o problema ainda mais explícito. A evolução da tecnologia fez sumirem os botões que podiam ser sentidos com os dedos e colocou em seu lugar painéis cada vez mais lisos e, a seguir, telas touch screen. É comum cegos decorarem a posição de só um botão do micro-ondas e ignorarem o resto ou dependerem de ajuda de alguém para controlar equipamentos como forno elétrico e a cafeteira.
Com frequência, os eletrodomésticos de quem tem deficiência visual parecem ter ficado todos com catapora. Isso porque um truque comum para driblar a dificuldade de manuseio é colar bolinhas de silicone ou adesivo em pontos estratégicos, ao lado dos principais botões, para que a pessoa consiga controlá-los pelo tato.
Incomodado com a quantidade de equipamentos inadequados que trazia para sua casa, naziberto de Oliveira, 56, que é cego, começou a tornar públicas suas queixas e de outras pessoas a partir de 2019.
A princípio, sua iniciativa chamava Cego Consumidor. Mais tarde, decidiu ampliar o alcance do projeto e mudou o nome para Reclame Acessibilidade, para tratar também de dificuldades vivenciadas por pessoas com outras deficiências.
Inspirado no Reclame Aqui, o Reclame Acessibilidade incentiva consumidores a gravarem vídeos mostrando equipamentos que possuem e não conseguem usar sozinhos ou acionar todas as funções para tentar fazer as empresas se mexerem. O conteúdo é divulgado a partir de canal no YouTube e nas redes sociais Facebook e Instagram.
Também há um programa semanal, exibido a partir da rádio online Contraponto nas quartas-feiras, das 20h às 21h, com entrevistas com consumidores com deficiência. A gravação fica disponível no YouTube.
Segundo Naziberto, sua busca é por igualdade de condições no consumo. Em sua avaliação, pessoas com deficiência ainda não são vistas como parte do mercado e, para ele, a mudança também depende do engajamento do próprio grupo. “Queremos comprar e pagar pelo preço que as coisas custam, mas também queremos usufruir da mesma forma que todos.”
Para Naziberto, a principal frustração em seu dia a dia é a falta de acessibilidade nos serviços de TV por assinatura e na maior parte dos streamings de vídeo, que não oferecem um sistema de navegação que leia os menus e a programação a partir de voz —a exceção é a Netflix, que tem uma boa interação para cegos.
“Se a pessoa cega aperta um botão errado, precisa esperar alguém que enxerga para ajudar e fazer a televisão voltar ao normal.”
Na outra ponta, o bom exemplo aparece nos aparelhos de celular, que vêm de fábrica com software leitores de tela e permitem acessar a maioria de suas funções com autonomia. O acerto no caso é que um mesmo produto pode ser usado por qualquer consumidor, sem a necessidade de adaptações ou compra de versões ou complementos caros para que seja acessível.
Segundo Naziberto, algumas marcas já responderam às queixas de consumidores no Reclame Acessibilidade, mas ainda não foi possível ver mudanças concretas. Em geral, dizem estar atentas ao assunto, afirma.
Ele cita como avanço obtido com o movimento o incentivo à criação do Projeto de Lei 4713/2020, da senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), que oferece incentivos para empresas desenvolverem pesquisas relacionadas à acessibilidade em eletrodomésticos.
Tornar um equipamento acessível não significa, necessariamente, alterar de forma drástica seu design e colocar braille em todos os espaços possíveis. Caso você esteja lendo o texto em um computador, entenderá isso rapidamente. Coloque seus dedos indicadores sobre as letras F e J do teclado. Esse pequeno traço que talvez você não soubesse que existia ajuda pessoas que não enxergam a posicionar a mão sobre o teclado e ter uma referência para encontrar as demais teclas. Caso você tenha um telefone de botões antigo ou uma maquininha de cartão por perto, perceberá recurso semelhante no número 5.
Um pouco de criatividade pode ser o suficiente para estarmos todos em igualdade de condições.