Máquina de escrever, para quem lê em braille, é ferramenta moderna
Em pleno Século 21, depois de conhecer computadores, smartphones, assistentes virtuais inteligentes e até a linha braille, comemoro a chegada de minha nova máquina de escrever.
Esclareço logo que não sou Saudosista dos tempos da Olivetti. Na verdade, precisei fazer uma busca na internet para lembrar o nome da empresa famosa pelas máquinas da escrever. A única lembrança que tenho de um modelo do tipo se mistura com o dia em que, visitando o escritório do meu pai, caiu meu primeiro dente de leite
Muito provavelmente isso tudo foi antes de eu saber digitar meu nome em um teclado. Minha alfabetização digital já aconteceu com mouse e monitor à disposição das mãos, acessando o MS-DOS para acionar o CD-Rom do game “Super Street Fighter 2 Turbo” no PC, ainda usando a visão que tinha.
A máquina de datilografia que está agora em meu quarto/escritório tem apenas nove botões. Em vez de deixar tinta no papel, ela perfura a folha para marcar neles os pontinhos do braille.
Seis das teclas da máquina são usadas para marcar no papel cada um dos seis pontos que criam uma cela braille, unidade básica da escrita tátil.
Cada uma dessas celas, formada por duas colunas de três pontos que podem estar levantados ou abaixados. Dependendo da combinação deles, forma-se uma letra ou sinal do braille.
Para escrever um sinal que exige um ponto em relevo, aperta-se uma tecla. Para um sinal formado por mais pontos, segura-se as teclas necessárias ao mesmo tempo. Se eu apertar as seis teclas de uma vez, escrevo a letra “E” com acento agudo.
Também há teclas para fazer o carrinho que cria os relevos no papel descer para a próxima linha, avançar ou retroceder um espaço. Ou seja, nem é tão diferente de controlar o cursor em um arquivo no Bloco de Notas no computador.
O que isso significa, na prática, é que, depois de mais de uma década, posso voltar a colocar minhas ideias diretamente no papel e em um formato em que eu consiga ler sozinho, sem precisar de nenhum programa de computador que dite o que eu mesmo escrevi.
Agora posso produzir e ter nas minhas mãos uma partitura e, com ela, ensinar mais gente a ler música, principal motivo para eu desejar uma máquina. Para mim, o mais importante será ter meus textos lidos por outras mãos. O primeiro, com palavras doces para alguém especial, já foi entregue pelo carteiro.
Além de toda a empolgação minha, a máquina também foi recebida com latidos furiosos do Bob, que não gostou do novo batuque de escola de samba daqui de casa. Outro motivo para a irritação canina é que ela tem um sininho que toca quando escrevo, indicando que a linha está quase toda preenchida. O som agudo pode ter incomodado seus ouvidos sensíveis.
Além da máquina de datilografia, também é possível escrever em braille usando a reglete, uma forma de madeira com furinhos a partir da qual se marcam os pontos do braille com uma Punção, escrevendo da direita para a esquerda. Para um aprendiz de braille novato, ainda me parece complexo, mas é uma ferramenta prática, por ser possível levá-la a qualquer lugar.
Também existem impressoras em braille, para imprimir arquivos digitais. Mas elas podem custar mais de R$ 20 mil, o que torna seu uso inviável com muita frequência.
Minha convivência com a máquina braille é recente, mas conheço histórias de pais e mães que ficaram por noites sentados em frente a uma máquina dessas, copiando livros e apostilas para serem usados por seus filhos na escola. Apesar de estar sendo por vezes substituída pelos notebooks, que são mais leves, discretos e silenciosos, as máquinas ainda são usadas com frequência na sala de aula.
A tecnologia trouxe muitos avanços para a inclusão de pessoas com deficiência visual. Hoje, é completamente viável que se trabalhe por anos em um jornal só escrevendo no teclado de computadores ou em celulares. Mas Considero fundamental que o braille esteja presente na alfabetização de quem não pode ler com os olhos e seja sempre uma possibilidade para quem perdeu a vista mais tarde e quer se reconectar com a leitura de modo silencioso e profundo.
Vida longa para a nova e velha máquina de escrever.