Quem não oferece acessibilidade deveria dizer que pessoas com deficiência não são bem-vindas, diz jornalista

Para a jornalista Cláudia Werneck, que atua há cerca de 30 anos na defesa da inclusão das pessoas com deficiência, a comunicação acessível ainda não é vista como direito fundamental nem sua ausência como fator de exclusão.

Autora de 14 livros sobre inclusão e diversidade, ela fundou em 2002 a ONG Escola de Gente, que atua na criação de soluções de acessibilidade.

Entre os recursos que devem ser usados para que informação, arte e entretenimento possam chegar a todos estão a audiodescrição (descrição de imagens), o uso de formatos digitais para textos, legendagem de vídeos e oferecimento de interpretação em Libras (Língua Brasileira de Sinais), por exemplo.

“Fala-se muito em liberdade de expressão, mas não do direito de comunicação acessível garantido. O que adianta ser livre para falar sem ter um intérprete?”, diz ela, destacando que muitas vezes nem pessoas com deficiência percebem que a comunicação inclusiva deveria ser entendida como direito básico.

Questionada sobre como viabilizar a adoção desses recursos de acessibilidade, levando em conta o custo associado à adoção deles, Werneck diz que, se as empresas quiserem falar que são realmente inclusivas e se importam com diversidade para além do discurso, precisam colocar o tema da acessibilidade em seus orçamentos.

“Se você não quer colocar audiodescrição, deveria escrever no convite: ‘este espetáculo é para todo mundo, menos os cegos'”, afirma.

“Quanto custa discriminar uma pessoa cega? É só fazer um livro sem oferecer ele em formato acessível.  Agora é preciso fazer um orçamento sem discriminação. Onde você coloca o dinheiro indica em que você acredita.”

Werneck cita como exemplo o grupo de teatro Os Inclusos e os Sisos, que nasceu na Escola de Gente em 2003 contando com a filha da jornalista, a atriz Tata Werneck, entre os criadores. Em 2003, quando não havia recursos, a audiodescrição era feita no ouvido do espectador. Depois passou a ser pré-requisito para que o grupo se apresentasse: “Muitas vezes tínhamos 12 recursos de acessibilidade diferentes, alugávamos banheiro químico acessível. Sempre fomos radicais. Isso não é desperdício, é estar preparado para atender as pessoas que existem, sem restringir quem pode vir ou não.”

Outro espaço onde há muita exclusão, e  que ganhou mais importância com a pandemia, é a internet. O problema ocorre tanto pela falta de acessibilidade em sites e aplicativos como também pela dificuldade de acesso à conexão adequada por pessoas com deficiência em situação de vulnerabilidade financeira.

“A comunicação está mais complexa, mais rápida, imagética. O impacto é gigantesco. Todos perdem com as interrupções no fluxo de informações quando ele é interrompido por não chegar a uma pessoa com deficiência”, afirma. “Falta de informação impacta o direito a vida. Sem informações, você não toma decisões.

Notando que praticamente todas as lives realizadas na pandemia não tinham acessibilidade, incluindo transmissões da Organização Mundial de Saúde para tratar da Covid-19, a Escola de Gente lançou em 2020 o projeto Hiperconexão Inclusiva, para criar uma plataforma de lives que permitisse a adoção de audiodescrição e interpretação em Líbras.

 

Em setembro, a organização também relançou o aplicativo VEM CA, que havia entrado no ar pouco antes da pandemia indicando eventos com acessibilidade, e acabou deixando de ser prioridade quando as atividades não puderam mais ser realizadas por causa do distanciamento social. Agora o programa também reúne conteúdos que podem ser acompanhados digitalmente e que oferecem ao menos um recurso para ampliar a inclusão.

A discussão sobre a possibilidade de crianças com deficiência severas estudarem em escolas especializadas, trazida pelo ministro da Educação Milton Ribeiro, também é vista como revés recente para o grupo por Werneck.

Para ela, é preciso que o tema da inclusão nas escolas seja compreendido como um assunto de toda a sociedade, e não só das famílias que possuem crianças com deficiência. Segundo Werneck, da adaptação das escolas para receber todas as crianças que existem virá um desafio e, com ele, a inovação, diz.

Ao argumento do ministro em favor da educação em ambientes separados de que um aluno cego teria dificuldade para entender quando o professor de geografia apontar para um mapa, Werneck contrapõe a experiência de professor que criou maquete com o Sistema Solar para compreensão de alunos com deficiência visual que acabou beneficiando o aprendizado de todos os estudantes, pois outros colegas tinham dificuldade para como se dá a órbita dos planetas em relação ao sol.

Para a jornalista, quando crianças aprendem a incluir desde cedo,  têm uma atitude que privilegia a diversidade durante toda a vida.

“Se você frequenta uma educação inclusiva, em sala que representa a diversidade humana e em que a necessidade de aprendizagem de todos é atendida, você terá uma geração que se exercita democraticamente na diversidade.”