Cotovelo é a parte do corpo humano com a qual tenho mais intimidade

Para que serve o cotovelo? Doer bastante não conta.

Talvez você não tenha encontrado muitas respostas. Eu já digo que é a parte do corpo humano com a qual tenho mais intimidade. É que é principalmente no cotovelo de quem guia que a pessoa com deficiência visual segura quando precisa de direção para chegar ao seu destino.

 

O cotovelo é útil porque o toque nele permite ao cego se posicionar um pouquinho atrás da outra pessoa e sentir com precisão para onde ela vai. O guia também pode colocar seu cotovelo para trás do corpo e assim indicar silenciosamente que é preciso formar uma fila com a pessoa que está sendo conduzida quando o espaço fica estreito.
Se nós que não vemos não costumamos ter acesso ao rosto de quem está do nosso lado o tempo todo, pelo cotovelo é possível fazer uma leitura muito acurada de uma série de informações: a altura da pessoa, seu porte físico, desenvolvimento da musculatura,temperatura,  flacidez e oleosidade da pele, presença de pelos. Talvez eu tivesse dificuldade de diferenciar duas pessoas conhecidas tocando a face delas, mas acho que me sairia muito bem num jogo de “adivinha quem é” no qual a missão seria ligar nomes e cotovelos.
Enquanto a maioria das pessoas negligencia essa parte do corpo, fora os jogadores de futebol com pavio curto, para nós é praticamente impossível sair na rua e não conhecer cotovelos novos.

É que, quando dizemos que vamos para algum lugar sozinhos, normalmente não é isso o que acontece de fato. Andamos alguns metros desacompanhados e, seja por estarmos demonstrando alguma dificuldade, seja porque algumas pessoas gostam de fazer isso ou se sentem na obrigação de ajudar, a cada poucos metros alguém oferece o braço para nos fazer atravessar uma rua ou superar um obstáculo no caminho.

Claro que nem todos entendem de imediato que não queremos suas mãos nas nossas ou sobre nossos ombros. Não fiquem magoados, é com a gente, não com vocês. Andar de mãos dadas é bonito, mas menos eficiente.

Pior ainda quando nos pegam sem avisar e saem empurrando ou puxando por aí. No final, nos acostumamos com essas abordagens menos delicadas e nem tomamos mais susto pensando que é um assalto.

Importante dizer que, ao mesmo tempo em que os caminhos de nossas cidades, escolas e empresas, em geral, ainda não são feitos para que todos de verdade andem por eles com segurança e autonomia, queremos ter a maior independência possível nessa corrida de obstáculos e, por vezes, podemos até dispensar alguns cotovelos para tentarmos nos virar por conta própria o quanto for possível. Então não saia por aí forçando a amizade e empurrando seu cotovelo, mas pergunte sempre se quem não enxerga gostaria de alguma ajuda.

 

Numa metrópole como São Paulo, em que circulam milhões e milhões de pessoas, sempre aparece alguém disposto a conduzir. Mas a impressão que tenho ao com frequência ficar minutos esperando alguém me avisar a hora em que o farol está verde, enquanto percebo pessoas do meu lado atravessando apressadamente, me faz pensar que ainda é a minoria que está atenta a quem está do seu lado ou fica constrangida de oferecer o braço por medo de não saber como fazer.

Mais do que um ato de respeito e cidadania, permitir que alguém ande a seu lado em segurança por alguns instantes pode ser a oportunidade de trocar experiências com uma pessoa que circula por trilhas parecidas. Muitas amizades minhas começaram assim. É que, num mundo em que muitos têm receio de se aproximar de quem é diferente, é frequente que a pessoa disposta a conduzir seja também a que está interessada em saber de onde vim, o que tenho a dizer e para onde vou.

Nessa volta gradual para as ruas, lembre-se com carinho de seu cotovelo. Quem sabe ele não vai te ajudar a encontrar pessoas legais por aí?

Uma observação. Durante a pandemia, outra função para o cotovelo surgiu: receber espirros e tossidas. Por isso, passou-se a recomendar temporariamente que o cego tocasse o ombro de quem o conduz. Essa também pode ser uma opção quando a pessoa que guia é muito mais baixa do que a conduzida.